sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A PERPLEXIDADE NOSSA DE CADA DIA

POETAR-SE

O poeta realiza em palavras
os sonhos do inconsciente
coletivo.
Arauto de uma época,
de dores e amores
que se tornam atemporais.
Palhaço de si mesmo.

O poeta sente e prevê,
pensa e sobrevive.
Humano como todos,
sem torres de marfim,
as musas se desvirginaram
e os mecenas faliram.
O poeta anda pelas ruas
e vai para o trabalho.

Mas, diante de uma folha em branco,
o poeta é um fingidor,
que ama e sofre,
letra após letra,
as inúmeras perplexidades
da vida nossa de cada dia.

Roseny Seixas




PERPLEXIDADES

a parte mais efêmera
de mim
é esta consciência de que existo


e todo o existir consiste nisto

é estranho!
e mais estranho
ainda
me é sab~e-lo
e saber
que esta consciência dura menos
que um fio de meu cabelo


e mais estranho ainda
que sabe-lo
é que
enquanto dura me é dado
o infinito universo constelado
de quatrilhões e quatrilhões de estrelas
sendo que umas poucas delas
posso vê-las
fulgindo no presente do passado

Ferreira Gullar in Em alguma parte alguma


Ambos os poemas nos falam, entre outras coisas, das perplexidades. E da consciência que temos dos fatos, pequenos ou grandiosos, que acontecem no nosso dia a dia. Poderíamos, então, dizer que se trata de uma consciência perplexa.
O artista, de um modo geral, é alguém que exercita a sua perplexidade e a transforma em matéria estética. O “fingimento’ do poeta nada mais é do que a realização, no mundo fictício das palavras, do que ocorre do lado de fora, no chamado mundo exterior.
A perplexidade diante de um acontecimento é o móvel para que o escritor produza sua obra, talvez na esperança de entender um pouco mais o que ocorre ao seu redor, ou como forma de resposta, na expectativa de um diálogo.
Na leitura conjunta destes dois textos, pensamos como as perplexidades servem de alimento para a nossa consciência. E o escritor precisa das duas: da perplexidade e da consciência. Embora elas sozinhas não façam dele um escritor, são necessárias para a mobilização de sua palavra e a construção de sua linguagem.
O homem é anterior ao escritor.

Marcus Vinicius Quiroga

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