domingo, 7 de novembro de 2010

INSPIRAÇÃO



INSPIRAÇÃO

De onde surge este canto?
De onde vêm estes pássaros,
bêbados, trôpegos,
a rufar as asas
enlouquecidamente,
em meu peito, em minha mente?

De onde nascem, a voar, estes pássaros,
insistindo em todas as direções,
buscando, incessantemente,
alguma saída urgente?

E onde dormem os sonhos
que eles acordam, aos cantos,
para então, loucos pássaros que são,
tornados palavras,
ganhar vida e liberdade,
fora de mim, onde?

Ana Mignone




Também os anjos mudam de poleiro
de vez em quando, se rareia o alpiste
indeglutível que é seu alimento.

Porém você não se conforma, e insiste,
procura em vão possíveis substitutos
que tenham o efeito de atrair de volta

esses seres ariscos, esses putos
que se recusam a ouvir os teus apelos,
como se fossem mesmo coisas outras

que não a tua própria vontade de tê-los
sempre a postos, em eterna prontidão,
a salpicar na tua boca ávida

o alpiste acre-doce da ( com perdão
da péssima palavra ) inspiração.

Paulo Henriques Britto


Nos dois textos acima, vemos pássaros e anjos, seres alados, representando a inspiração. O mood dos dois é evidentemente diverso. Enquanto Ana Mignone se mostra lírico-reflexiva, Paulo Henriques se faz debochado e crítico. Ambos, no entanto tratam da mesma questão: a inspiração. Esta palavra é sempre polêmica, porque sua noção faz com que pensemos em coisas bem diferentes. Não podemos, portanto, aceitá-la ou negá-la simplesmente, mas discuti-la, sem esgotá-la.
Aqui no caso nos despertou atenção a proximidade das imagens de pássaros e anjos, usadas pelos poetas para falarem da mesma ideia. É bom lembrar também que tais imagens sugerem voo, fuga, agitação, pois suas asas sempre são associadas a permanente movimento. Ou seja, a “inspiração’’ é algo que escapa de nós de uma hora para outra.
A princípio, a palavra nos remete a uma visão mais tradicional da literatura, e particularmente da poesia, não sendo raro críticos dizerem, à guisa de elogio, que tal poeta faz versos muito inspirados. Embora no século XX a palavra (ou sua concepção) venha rareando, ainda é moeda em circulação, uma vez que é sempre difícil defini-la. De qualquer forma, dizemos que há momentos (os inspirados) em que nos sentimos mais habilitados à criação, e outros em que isto não acontece.
Queremos também citar o conceito de “correlato objetivo”, de que falava T.S. Eliot. No primeiro texto, pássaro é o termo concreto para designar a ideia abstrata de inspiração, sendo mais fácil escrever e criar imagens sobre pássaros do que sobre a inspiração. Nosso intuito é, pois, mostrar como podemos usar o “correlato objetivo”. Para melhor compreensão, leiam o texto Hamlet e os seus problemas, de Eliot.

Marcus Vinicius Quiroga

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