A mão suja
Carlos Drummond de Andrade
Minha mão está suja.
Preciso cortá-la.
Não adianta lavar.
A água está podre.
Nem ensaboar.
O sabão é ruim.
A mão está suja,
suja há muitos anos.
A princípio oculta
no bolso da calça,
quem o saberia?
Gente me chamava
na ponta do gesto.
Eu seguia, duro.
A mão escondida
no corpo espalhava
seu escuro rastro.
E vi que era igual
usá-la ou guardá-la.
O nojo era um só.
Ai, quantas noites
no fundo da casa
lavei essa mão,
poli-a, escovei-a.
Cristal ou diamante,
por maior contraste,
quisera torná-la,
ou mesmo, por fim,
uma simples mão branca,
mão limpa de homem,
que se pode pegar
e levar à boca
ou prender à nossa
num desses momentos
em que dois se confessam
sem dizer palavra...
A mão incurável
abre dedos sujos.
E era um sujo vil,
não sujo de terra,
sujo de carvão,
casca de ferida,
suor na camisa
de quem trabalhou.
Era um triste sujo
feito de doença
e de mortal desgosto
na pele enfarada.
Não era sujo preto
– o preto tão puro
numa coisa branca.
Era sujo pardo,
pardo, tardo, cardo.
Inútil, reter
a ignóbil mão suja
posta sobre a mesa.
Depressa, cortá-la,
fazê-la em pedaços
e jogá-la ao mar!
Com o tempo, a esperança
e seus maquinismos,
outra mão virá
pura – transparente –
colar-se a meu braço.
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
terça-feira, 22 de novembro de 2011
TO LEAVE, TO LIVE
She's Leaving Home
Wednesday morning at five o´clock as the day begins
Silently closing her bedroom door
Leaving the note that she hoped would say more
She goes downstairs to the kitchen
Clutching her handkerchief
Quietly turning the backdoor key
Stepping outside she is free
She
We gave her most of our lives
Is leaving
Sacrified most of our lives
Home
We gave her everything money could buy
She´s leaving home after living alone
For so many years
Father snores as his wife gets into
Her dressing gown
Picks up the letter that´s lying there
Standing alone at the top of the stairs
She breaks down and cries to her husband
"daddy, our baby is gone"
Why would she treat us so thoughtlessly?
How could she do this to me?
She
We never thought of ourselves
Is leaving
Never a thought of ourselves
Home
We struggled hard all our lives to get by
She´s leaving home after living alone
For so many years
Friday morning at nine o´clock she is far away
Waiting to keep the appointment she made
Meeting a man from the motor trade
She
What did we do that was wrong?
Is having
We didn´t know it was wrong
Fun
Fun is the one thing that money can´t buy
Something inside that was always denied
For so many years
She´s leaving home, bye, bye
Lennon / McCartney
Ouvindo Father and son, de Cat Stevens, lembrei-me de She is leaving home, por motivos óbvios. Saio de um diálogo frustrado entre pai e filho para o texto surpreso de um casal diante da partida da filha. Em ambos, a distância de gerações, a incompreensão, a cegueira por parte dos mais velhos que não conseguem se levantar da poltrona de sua época e subir no estribo do bonde da história.
Entre parênteses temos as falas do casal que não entende o que está acontecendo, pois jamais prestou atenção ao que existia a seu redor. Quando de repente veem que a filha é uma estranha, dizem a clássica frase “What did we do that was wrong?”.
São duas letras sobre a falta de comunicação ou sobre o egoísmo
de pais que não enxergam os filhos. Claro que Cat, John e Paul eram jovens quando fizeram as letras e estavam ao lado dos filhos, em oposição aos pais. Mas quem, com mais de trinta, ousaria contrariar as letras?
Notemos o elemento dual presente em ambas: pai e filho, pais e filha, duas gerações, imobilidade e movimento etc...Em ambas também a partida dos filhos em busca de sua história, de sua identidade. Imagino que seriam interessantes composições que retomassem o tema, como se fossem Father and son II ou She’s leaving home II, com o discurso atual dos mesmos personagens. Que balanço fariam 40 anos depois pais e filhos? Como todos nós somos ao mesmo tempo nossos pais e nossos filhos, que balanço fazemos de nossas partidas e do que ficou para trás?
Quem se esqueceu em algum porto, não ouviu as palavras
finais da canção de Stevens:”Now there's a way and I know/
That i have to go away/ I know I have to go”.
Marcus Vinicius Quiroga
Wednesday morning at five o´clock as the day begins
Silently closing her bedroom door
Leaving the note that she hoped would say more
She goes downstairs to the kitchen
Clutching her handkerchief
Quietly turning the backdoor key
Stepping outside she is free
She
We gave her most of our lives
Is leaving
Sacrified most of our lives
Home
We gave her everything money could buy
She´s leaving home after living alone
For so many years
Father snores as his wife gets into
Her dressing gown
Picks up the letter that´s lying there
Standing alone at the top of the stairs
She breaks down and cries to her husband
"daddy, our baby is gone"
Why would she treat us so thoughtlessly?
How could she do this to me?
She
We never thought of ourselves
Is leaving
Never a thought of ourselves
Home
We struggled hard all our lives to get by
She´s leaving home after living alone
For so many years
Friday morning at nine o´clock she is far away
Waiting to keep the appointment she made
Meeting a man from the motor trade
She
What did we do that was wrong?
Is having
We didn´t know it was wrong
Fun
Fun is the one thing that money can´t buy
Something inside that was always denied
For so many years
She´s leaving home, bye, bye
Lennon / McCartney
Ouvindo Father and son, de Cat Stevens, lembrei-me de She is leaving home, por motivos óbvios. Saio de um diálogo frustrado entre pai e filho para o texto surpreso de um casal diante da partida da filha. Em ambos, a distância de gerações, a incompreensão, a cegueira por parte dos mais velhos que não conseguem se levantar da poltrona de sua época e subir no estribo do bonde da história.
Entre parênteses temos as falas do casal que não entende o que está acontecendo, pois jamais prestou atenção ao que existia a seu redor. Quando de repente veem que a filha é uma estranha, dizem a clássica frase “What did we do that was wrong?”.
São duas letras sobre a falta de comunicação ou sobre o egoísmo
de pais que não enxergam os filhos. Claro que Cat, John e Paul eram jovens quando fizeram as letras e estavam ao lado dos filhos, em oposição aos pais. Mas quem, com mais de trinta, ousaria contrariar as letras?
Notemos o elemento dual presente em ambas: pai e filho, pais e filha, duas gerações, imobilidade e movimento etc...Em ambas também a partida dos filhos em busca de sua história, de sua identidade. Imagino que seriam interessantes composições que retomassem o tema, como se fossem Father and son II ou She’s leaving home II, com o discurso atual dos mesmos personagens. Que balanço fariam 40 anos depois pais e filhos? Como todos nós somos ao mesmo tempo nossos pais e nossos filhos, que balanço fazemos de nossas partidas e do que ficou para trás?
Quem se esqueceu em algum porto, não ouviu as palavras
finais da canção de Stevens:”Now there's a way and I know/
That i have to go away/ I know I have to go”.
Marcus Vinicius Quiroga
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
DE OBRAS LITERÁRIAS E/OU NÃO 2
ANALOGIAS A RESPEITO DE CASA
O engenheiro
antes de projetar a ponte
tem que crer na existência da outra margem
Inútil
reformar mais uma vez a lateral torta
do quinto andar
Melhor seria pensar
sobre as fundações
Ao acordar
sempre abria a janela do quarto
Mas outras janelas
permaneciam fechadas
durante todo o diálogo
Como costumava se atirar pela janela
mudou-se para um rés-do-chão
Carregava a casa nas costas
e se sentia sempre do lado de fora
Em casa erguida só por uma pessoa
mora uma pessoa só
Com uma personagem de O Cortiço
de Aluísio de Azevedo
que jogava baldes de água no assoalho
obstinadamente
aprendi a relação entre concreto e abstrato
As portas realmente surdas
não aceitam chaves
Os engenheiros
que fazem a planta
depois da obra concluída
têm cursos de ideologia
O engenheiro
antes de projetar a ponte
tem que crer na existência da outra margem
Inútil
reformar mais uma vez a lateral torta
do quinto andar
Melhor seria pensar
sobre as fundações
Ao acordar
sempre abria a janela do quarto
Mas outras janelas
permaneciam fechadas
durante todo o diálogo
Como costumava se atirar pela janela
mudou-se para um rés-do-chão
Carregava a casa nas costas
e se sentia sempre do lado de fora
Em casa erguida só por uma pessoa
mora uma pessoa só
Com uma personagem de O Cortiço
de Aluísio de Azevedo
que jogava baldes de água no assoalho
obstinadamente
aprendi a relação entre concreto e abstrato
As portas realmente surdas
não aceitam chaves
Os engenheiros
que fazem a planta
depois da obra concluída
têm cursos de ideologia
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
DE OBRAS LITERÁRIAS E/OU NÃO
Em um período de obras, mais não-literárias do que literárias, veio-me a lembrança
um poema antigo, circunstancial, feito como consequência de outro longo tempo dedicado às obras de uma casa. Muitas analogias são possíveis sobre a construção, a reforma ou a descontrução de uma casa e de um homem. E as analogias servem como material (sem trocadilho) para reflexão.
A CASA E O HOMEM
NÃO, COM O HOMEM É DIFERENTE.
NÃO HÁ LICENÇA PARA REFORMA,
APROVAÇÃO DA PREFEITURA,
PLANTA-BAIXA, MESTRE DE OBRA.
COM O HOMEM NÃO É TÃO SIMPLES
QUANTO PÔR UMA PAREDE ABAIXO,
FECHAR UMA JANELA LATERAL,
OU VISTORIAR A INSTALAÇÃO ELÉTRICA.
MAIS DIFÍCIL AINDA QUANDO SE TRATA
DE UMA DEMOLIÇÃO POR INTEIRO:
NÃO HÁ AZULEJOS RAROS,
JANELAS COLONIAIS REAPROVEITÁVEIS.
COM O HOMEM NÃO HÁ AO MENOS
A PERSPECTIVA DO TERRENO
PARA UM PRÉDIO DE MUITOS ANDARES.
HÁ NA DEMOLIÇÃO SÓ A SUPERFÍCIE,
UM LIMIAR EM QUE NÃO SE DISTINGUE
O QUE É A TERRA DO ENTULHO
DA TERRA DA SEPULTURA.
UM HOMEM NÃO É UM ENDEREÇO
DO QUAL SE TENHA LEMBRANÇA.
QUANDO ELE DESAPARECE,
SUA AUSÊNCIA É TÃO BRANCA,
SEM POEIRA, SEM VESTÍGIO
SEM OS HEMATOMAS DA MARRETA.
UM HOMEM NÃO É RECOLHIDO
POR PÁS GIGANTES DE TRATORES
E DEPOIS LEVADO AO DEPÓSITO.
AO DORES DE UM HOMEM
NÃO SÃO VISTAS NO SEU PÓ.
TAMPOUCO ELE SERVE DE ATERRO,
MENOS AINDA DE ADUBO.
SE A DEMOLIÇÃO É POR INTEIRO,
O HOMEM VIRA SONHO INTERRUPTO.
Marcus Vinciius Quiroga
um poema antigo, circunstancial, feito como consequência de outro longo tempo dedicado às obras de uma casa. Muitas analogias são possíveis sobre a construção, a reforma ou a descontrução de uma casa e de um homem. E as analogias servem como material (sem trocadilho) para reflexão.
A CASA E O HOMEM
NÃO, COM O HOMEM É DIFERENTE.
NÃO HÁ LICENÇA PARA REFORMA,
APROVAÇÃO DA PREFEITURA,
PLANTA-BAIXA, MESTRE DE OBRA.
COM O HOMEM NÃO É TÃO SIMPLES
QUANTO PÔR UMA PAREDE ABAIXO,
FECHAR UMA JANELA LATERAL,
OU VISTORIAR A INSTALAÇÃO ELÉTRICA.
MAIS DIFÍCIL AINDA QUANDO SE TRATA
DE UMA DEMOLIÇÃO POR INTEIRO:
NÃO HÁ AZULEJOS RAROS,
JANELAS COLONIAIS REAPROVEITÁVEIS.
COM O HOMEM NÃO HÁ AO MENOS
A PERSPECTIVA DO TERRENO
PARA UM PRÉDIO DE MUITOS ANDARES.
HÁ NA DEMOLIÇÃO SÓ A SUPERFÍCIE,
UM LIMIAR EM QUE NÃO SE DISTINGUE
O QUE É A TERRA DO ENTULHO
DA TERRA DA SEPULTURA.
UM HOMEM NÃO É UM ENDEREÇO
DO QUAL SE TENHA LEMBRANÇA.
QUANDO ELE DESAPARECE,
SUA AUSÊNCIA É TÃO BRANCA,
SEM POEIRA, SEM VESTÍGIO
SEM OS HEMATOMAS DA MARRETA.
UM HOMEM NÃO É RECOLHIDO
POR PÁS GIGANTES DE TRATORES
E DEPOIS LEVADO AO DEPÓSITO.
AO DORES DE UM HOMEM
NÃO SÃO VISTAS NO SEU PÓ.
TAMPOUCO ELE SERVE DE ATERRO,
MENOS AINDA DE ADUBO.
SE A DEMOLIÇÃO É POR INTEIRO,
O HOMEM VIRA SONHO INTERRUPTO.
Marcus Vinciius Quiroga
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
O USO DA PRETERIÇÃO
VERSO
Faço versos leves leves
são versos para brincar
não falo de vidas destruídas
vidas negadas de serem vividas.
Faço versos leves mas tão leves
que se quebram em mil
rimas ao se tocarem.
Não falo do trabalho forçado
do operário desrespeitado
nem de crianças famintas.
Versos leves que de tão leves
parecem feitos para sonhar.
Não falo da violência
se alastrando dos
estupros do corpo
e da mente.
Faço versos versos leves leves leves
de nada falam
os meus versos.
Auricéia
Preterição (ou paralipse)
É uma figura de retórica, uma figura de pensamento denominada preterição. Consiste em tratar um determinado assunto ao mesmo tempo que se afirma que ele será evitado, fingindo que não se quer falar dele
"Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção."
O trecho que acabamos de ler é de Machado de Assis, extraído do "Conto de Escola", uma de suas narrativas mais conhecidas. A citação vem a propósito de comentar uma figura de linguagem de efeito bastante curioso e, às vezes, irônico. Trata-se da preterição (ou paralipse), que, segundo o narrador machadiano, produz "excelente efeito no estilo". Ora, para evitar o autoelogio e, ao mesmo tempo não deixar de fazê-lo, usa o verbo de elocução modificado por uma negativa. Assim, afirma que não vai dizer algo, mas, ao mesmo tempo, o diz.
Certamente, num caso como esse, o discurso aparece revestido de ironia --figura por meio da qual se diz algo com o intuito de exprimir o seu oposto. Embora tenha dito que não contaria algo, na verdade o contou. Seria falso, no entanto, dizer que o recurso sempre se presta à ironia. Para evitar um discurso afetado ou pretensioso, há quem recorra à preterição. Dessa maneira, o assunto surge de maneira enviesada, mas é exatamente pelo fato de ser anunciado como secundário (ser preterido) que a atenção se volta para ele. (texto de Thaís Nicoleti de Camargo, consultora de língua portuguesa da Folha)
No caso do poema de Auricéia, a figura é usada para diminuir o impacto da violência do tema e versos como “Versos leves que de tão leves/parecem feitos para sonhar” soam irônicos. Desta forma, a autora tratou do tema, infelizmente tão recorrente em nossa realidade urbana, de modo original, fugindo à denúncia óbvia e mostrou que recursos estilísticos antigos (há o clássico exemplo de Cícero) podem ser usados hoje em dia com expressividade, ao contrário do que julga parte da crítica contemporânea.
Marcus Vinicius Quiroga
Faço versos leves leves
são versos para brincar
não falo de vidas destruídas
vidas negadas de serem vividas.
Faço versos leves mas tão leves
que se quebram em mil
rimas ao se tocarem.
Não falo do trabalho forçado
do operário desrespeitado
nem de crianças famintas.
Versos leves que de tão leves
parecem feitos para sonhar.
Não falo da violência
se alastrando dos
estupros do corpo
e da mente.
Faço versos versos leves leves leves
de nada falam
os meus versos.
Auricéia
Preterição (ou paralipse)
É uma figura de retórica, uma figura de pensamento denominada preterição. Consiste em tratar um determinado assunto ao mesmo tempo que se afirma que ele será evitado, fingindo que não se quer falar dele
"Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção."
O trecho que acabamos de ler é de Machado de Assis, extraído do "Conto de Escola", uma de suas narrativas mais conhecidas. A citação vem a propósito de comentar uma figura de linguagem de efeito bastante curioso e, às vezes, irônico. Trata-se da preterição (ou paralipse), que, segundo o narrador machadiano, produz "excelente efeito no estilo". Ora, para evitar o autoelogio e, ao mesmo tempo não deixar de fazê-lo, usa o verbo de elocução modificado por uma negativa. Assim, afirma que não vai dizer algo, mas, ao mesmo tempo, o diz.
Certamente, num caso como esse, o discurso aparece revestido de ironia --figura por meio da qual se diz algo com o intuito de exprimir o seu oposto. Embora tenha dito que não contaria algo, na verdade o contou. Seria falso, no entanto, dizer que o recurso sempre se presta à ironia. Para evitar um discurso afetado ou pretensioso, há quem recorra à preterição. Dessa maneira, o assunto surge de maneira enviesada, mas é exatamente pelo fato de ser anunciado como secundário (ser preterido) que a atenção se volta para ele. (texto de Thaís Nicoleti de Camargo, consultora de língua portuguesa da Folha)
No caso do poema de Auricéia, a figura é usada para diminuir o impacto da violência do tema e versos como “Versos leves que de tão leves/parecem feitos para sonhar” soam irônicos. Desta forma, a autora tratou do tema, infelizmente tão recorrente em nossa realidade urbana, de modo original, fugindo à denúncia óbvia e mostrou que recursos estilísticos antigos (há o clássico exemplo de Cícero) podem ser usados hoje em dia com expressividade, ao contrário do que julga parte da crítica contemporânea.
Marcus Vinicius Quiroga
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
AINDA SOBRE UMA IMAGEM (A GARRAFA)
GARRAFA VAZIA
SUPONHA
QUE O LÍQUIDO DA CERVEJA
SEJA UM ESPELHO
PONHA-SE
FRENTE A FRENTE
COMO SE O TEMPO
ESTIVESSE A VÊ-LO
NO VAZIO
DA GARRAFA VAZIA
UMA LEMBRANÇA FLUTUA:
O QUE FEZ DA VIDA
QUE NÃO PARECE SUA?
SUPONHA
QUE O LÍQUIDO DA CERVEJA
SE ESPALHE PELA MESA
SINTA COM OS DEDOS
O CONTEÚDO QUE SE ESVAI
O GARÇOM TRAZ
MAIS OUTRA GARRAFA
TUDO PASSA EM SEGUNDOS
UM DESEJO NÃO SE ABAFA
OLHE NO FUNDO DO COPO
DE RELANCE, POR UM TRIZ
O QUE FEZ DA VIDA
QUE NÃO QUIS SER FELIZ?
Lúcio Ferreira
Há poucos dias vimos uma letra de Jim Croce e observamos a imagem da garrafa. Por coincidência, encontrei este texto (poema ou letra?) que também privilegia a imagem. No caso, chamamos atenção outra vez para a materialização (a garrafa) de um sentimento ou sensação de vazio. Um objeto feito para conter, conter líquidos, é usado com a finalidade de falar sobre a ausência, o não contido, ou como diz o texto, metaforicamente, o líquido que se esvai, que se espalha, que se perde.
O objeto do eu lírico serve também para motivar uma reflexão sobre o tempo perdido (esvaído como a cerveja), sobre a vida que não coincide, que não se reconhece no espelho do fundo do copo. No texto embriaguez e lucidez se misturam. A visão ébria não tem lateralidade e muitas vezes não vê o que está perto, mas ao lado.
A visão sóbria pode não ser uma virtude. De qualquer forma, nos lembramos dos versos de Baudelaire que sugere nos embriagarmos de vinho ou de virtude.A sobriedade é branca!
Marcus Vinicius Quiroga
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
IT GOES WITHOUT SAYING!
O EX-GAUCHE
O POETA HOJE TEM AGENTE,
SECRETÁRIA,
ASSESSOR DE IMPRENSA
JÁ NÃO PENSA EM POLÍTICA,
JÁ NÃO PENSA.
CAIU NAS GRAÇAS DA CRÍTICA
E ACUMULA
MEDALHAS DE OURO DAS ACADEMIAS.
O POETA AGORA É ARTISTA POP:
SÓ QUER SABER DA MÍDIA,
E DE SER LÍDER DO IBOPE,
SEU DIA
É PARA ENTREVISTAS,
FESTAS E FOTOGRAFIAS.
JÁ NEM SE LEMBRA DO TEMPO
EM QUE ESCREVIA POESIA.
O POETA HOJE TEM AGENTE,
SECRETÁRIA,
ASSESSOR DE IMPRENSA
JÁ NÃO PENSA EM POLÍTICA,
JÁ NÃO PENSA.
CAIU NAS GRAÇAS DA CRÍTICA
E ACUMULA
MEDALHAS DE OURO DAS ACADEMIAS.
O POETA AGORA É ARTISTA POP:
SÓ QUER SABER DA MÍDIA,
E DE SER LÍDER DO IBOPE,
SEU DIA
É PARA ENTREVISTAS,
FESTAS E FOTOGRAFIAS.
JÁ NEM SE LEMBRA DO TEMPO
EM QUE ESCREVIA POESIA.
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
UMA IMAGEM
TIME IN A BOTTLE
Jim Croce
IF I COULD SAVE TIME IN A BOTTLE
THE FIRST THING THAT I'D LIKE TO DO
IS TO SAVE EVERYDAY TILL ETERNITY PASSES AWAY
JUST TO SPEND THEM WITH YOU
IF I COULD MAKE DAYS LAST FOREVER
IF WORDS COULD MAKE WISHES COME TRUE
I'D SAVE EVERYDAY LIKE A TREASURE AND THEN
AGAIN I WOULD SPEND THEM WITH YOU
BUT THERE NEVER SEEMS TO BE ENOUGH TIME
TO DO THE THINGS YOU WANNA DO
ONCE YOU FIND THEM
I LOOKED AROUND ENOUGH TO KNOW
THAT YOUR THE ONE I WANNA GO THRU TIME WITH
IF I HAD A BOX JUST FOR WISHES
AND DREAMS THAT HAD NEVER COME TRUE
THE BOX WOULD BE EMPTY EXCEPT FOR THE MEMORY OF HOW
THEY WERE ANSWERED BY YOU
BUT THERE NEVER SEEMS TO BE ENOUGH TIME
TO DO THE THINGS YOU WANNA DO
ONCE YOU FIND THEM
I LOOKED AROUND ENOUGH TO KNOW
THAT YOUR THE ONE I WANNA GO THRU TIME WITH
O texto (poema ou letra) às vezes se baseia em uma só imagem. Neste caso, o tempo e uma garrafa. Mais uma vez estamos diante do uso do concreto e do abstrato, embora garrafa não nos lembre tempo, Temos, sim, a imagem concreta do tempo engarrafado, representando a imagem do tempo reservado para ser usado em “outro momento”.
Ou, talvez e também, Jim Croce queira nos lembrar da efemeridade do tempo (eterno tema, sem trocadilho), como vemos em “but there never seems to be enough time/to do the things you wanna do/once you find them”.
Na impossibilidade de guardar o tempo, para aproveitá-lo em uma situação melhor, só nos resta (e isto não é pouco) vivê-lo agora da melhor forma possível, pois as garrafas (até as do tempo) quebram.
Jim Croce morreu bem jovem em um acidente. Talvez soubesse (talvez não) que não devemos dizer não ao tempo, não devemos adiar, não devemos esperar. Deixemos a garrafa aberta e que o tempo e as imagens poéticas fluam.
Marcus Vinicius Quiroga
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
LIÇÃO DE POESIA
LIÇÃO SOBRE A ÁGUA (Antônio Gedeão)
Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com exceções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
Reparemos como um poema surge de uma definição denotativa que tem, a princípio, apenas algumas rimas que indicam a intenção de ser poema. E, diga-se de passagem, não são rimas atraentes, mas corriqueiras. Súbito, no verso “Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão”, dá-se a reviravolta, e da denotação passamos para a conotação, com a instalação do poético.
O tema da morte é apresentado de forma extremamente original e não piegas ou sentimentaloide. De uma aparen-temente simples descrição, a da água, o texto, de forma irônica e sutil, refere-se a Ofélia de Shakeaspeare; da página de um dicionário para a tragédia teatral.
Acreditamos que, se no lugar de Ofélia fosse um nome qualquer, o poema perderia em parte o seu propósito, mas, mesmo assim, causaria efeito, pois falaria da morte através da definição da água. Sem criar suspense, o poeta só revela o verdadeiro objeto de seu texto nos quatro versos finais. Isto nos lembra que faz parte da literatura falar de uma coisa para querer dizer outra.
Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.
É um bom dissolvente.
Embora com exceções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
Reparemos como um poema surge de uma definição denotativa que tem, a princípio, apenas algumas rimas que indicam a intenção de ser poema. E, diga-se de passagem, não são rimas atraentes, mas corriqueiras. Súbito, no verso “Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão”, dá-se a reviravolta, e da denotação passamos para a conotação, com a instalação do poético.
O tema da morte é apresentado de forma extremamente original e não piegas ou sentimentaloide. De uma aparen-temente simples descrição, a da água, o texto, de forma irônica e sutil, refere-se a Ofélia de Shakeaspeare; da página de um dicionário para a tragédia teatral.
Acreditamos que, se no lugar de Ofélia fosse um nome qualquer, o poema perderia em parte o seu propósito, mas, mesmo assim, causaria efeito, pois falaria da morte através da definição da água. Sem criar suspense, o poeta só revela o verdadeiro objeto de seu texto nos quatro versos finais. Isto nos lembra que faz parte da literatura falar de uma coisa para querer dizer outra.
domingo, 25 de setembro de 2011
O SIMBÓLICO
CORRIDA DE CEM METROS
Vejamos o mundo.
Exércitos, lugares onde se sofre,
sacrifícios da mãe pelos quatro filhos, o erudito de óculos a
examinar
o filme pornográfico,
o velho de passo lentíssimo com um casaco exagerado,
uma criança a troçar de outra mais fraca,
o casal a discutir por causa do ruído dos pés de um
e da sensibilidade do ouvido do outro,
e no meio de tantos factos e de tão diversas possibilidades,
oito homens com calças curtas e números nas costas
correm cem metros
- nem um centímetro a mais- e ganham ou perdem.
E uma vitória, por exemplo, pode levar alguém a curvar-se
e a chorar. E o assunto são cem metros de espaço no Mundo.
Pensa, por exemplo, no espaço de um país
ou no espaço da tua casa,
ou no espaço que percorres atrás da rapariga
que te largou a mão no meio da cidade;
porém nada mais há em alguns instantes, para esses homens,
além de: cem metros. Cem metros de espaço no planeta.
Vejamos, pois, o Mundo outra vez.
Como quem lê pela segunda vez um livro. Voltemos atrás.
Vejamos onde o homem perdeu a razão.
Em que momento.
Gonçalo M. Tavares
No texto acima, Gonçalo mostra que uma simples corrida de cem metros pode fazer com que homens chorem de felicidade pela vitória, enquanto o mundo se autodestrói em guerras e em outras tantas crueldades. Ora, como pode uma simples corrida de cem metros ser capaz de dar alegria ao homem, quando há tantos problemas sérios no mundo?
Estamos diante de um bom exemplo de como o simbólico atua sobre nós. A corrida é de fato insignificante, mas ela foi investida de um valor simbólico que a transforma em um objetivo de vida, cuja conquista, ainda que ridícula, faz com que o vencedor se sinta um herói e pense que todos têm admiração por seu, supostamente grande, feito.
Repito: este é só um exemplo. Pensemos no simbólico de maneira mais geral e ele sem dúvida, está presente na criação literária e na chamada vida literária. Esta, sim, é, desafortunadamente, repleta de
valores simbólicos que interferem na criação e na crítica.
Quais são os “cem metros” que nos cegam? Um escritor precisa se ver livre destes desvios. As matanças no Iraque ou no Afeganistão, por exemplo, são maiores que as técnicas narrativas modernosas, mas quem se importa?
Vejamos o mundo.
Exércitos, lugares onde se sofre,
sacrifícios da mãe pelos quatro filhos, o erudito de óculos a
examinar
o filme pornográfico,
o velho de passo lentíssimo com um casaco exagerado,
uma criança a troçar de outra mais fraca,
o casal a discutir por causa do ruído dos pés de um
e da sensibilidade do ouvido do outro,
e no meio de tantos factos e de tão diversas possibilidades,
oito homens com calças curtas e números nas costas
correm cem metros
- nem um centímetro a mais- e ganham ou perdem.
E uma vitória, por exemplo, pode levar alguém a curvar-se
e a chorar. E o assunto são cem metros de espaço no Mundo.
Pensa, por exemplo, no espaço de um país
ou no espaço da tua casa,
ou no espaço que percorres atrás da rapariga
que te largou a mão no meio da cidade;
porém nada mais há em alguns instantes, para esses homens,
além de: cem metros. Cem metros de espaço no planeta.
Vejamos, pois, o Mundo outra vez.
Como quem lê pela segunda vez um livro. Voltemos atrás.
Vejamos onde o homem perdeu a razão.
Em que momento.
Gonçalo M. Tavares
No texto acima, Gonçalo mostra que uma simples corrida de cem metros pode fazer com que homens chorem de felicidade pela vitória, enquanto o mundo se autodestrói em guerras e em outras tantas crueldades. Ora, como pode uma simples corrida de cem metros ser capaz de dar alegria ao homem, quando há tantos problemas sérios no mundo?
Estamos diante de um bom exemplo de como o simbólico atua sobre nós. A corrida é de fato insignificante, mas ela foi investida de um valor simbólico que a transforma em um objetivo de vida, cuja conquista, ainda que ridícula, faz com que o vencedor se sinta um herói e pense que todos têm admiração por seu, supostamente grande, feito.
Repito: este é só um exemplo. Pensemos no simbólico de maneira mais geral e ele sem dúvida, está presente na criação literária e na chamada vida literária. Esta, sim, é, desafortunadamente, repleta de
valores simbólicos que interferem na criação e na crítica.
Quais são os “cem metros” que nos cegam? Um escritor precisa se ver livre destes desvios. As matanças no Iraque ou no Afeganistão, por exemplo, são maiores que as técnicas narrativas modernosas, mas quem se importa?
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
A POESIA É RELAÇÃO!
A POEIRA DO TEMPO
Sentada na casa corto as unhas
dezoito andares acima de Jerusalém.
Levanto o olhar
a cúpula cintila em ouro e sol
a clara muralha defende o que está salvo.
Todos os dias
as minhas unhas crescem
E eu as corto sem recolher aparas.
Mais lento parece o alterar-se
das muralhas.
No entanto
todos os dias a história recolhe
a poeira
de suas pedras
Marina Colasanti
COM DANTE
Neste Castelo de Gargonza
Dante esteve um pouco antes de mim.
Escapava de inimigos (os gibelinos).
Pisava nestas pedras
ouvia o mesmo sino que na torre ainda há pouco batia.
Isso foi há oito séculos.
O que não é nada
diante das pedras
- e da poesia.
Affonso Romano de Sant’anna
Que o casal me perdoe, caso incorra em equívoco, ao escolher estes dois textos para mostrar a influência/confluência entre dois escritores, que, por acaso, são marido e mulher. Relendo os poemas, penso se não foi a palavra “pedra” que fez com que eu me lembrasse em particular destes dois textos. Talvez. Mas acho que há outras coisas ambos são curtos, com versos livres e quase todos brancos; ambos têm referências externas (Jerusalém e castelo em Gargonza); ambos têm dois momentos (Em “No entanto“ e em “o que é nada” dá-se a “reviravolta” poética; ambos se referem ao tempo (todos os dias. ainda há pouco, há oito séculos) e, especialmente, ao tempo histórico; ambos unem o abstrato com o concreto (a abstrata história recolhe a concreta poeira; a noção abstrata de oito séculos diante das pedras).
Difere o poema de Affonso porque, em seu final, confronta o tempo de oito séculos com a abstrata e/ou concreta (no bom sentido, é claro) poesia.
Ambos mostram como as coisas são relativas, mas, no segundo texto, o relativismo se acentua porque a comparação se dá também com a poesia (a história da poesia? a série literária? a poesia que existe em tudo e não só nos poemas?...) E, se lermos a poeira do 1º texto também como metafórica, ela se aproximará da poesia e deixará de ser concreta. Agora me pergunto se não seria a poesia uma espécie de poeira (e quase um anagrama) que se fixa no branco das páginas e que se espalha pelo ar dos séculos e das histórias.
Marcus Vinicius Quiroga
Sentada na casa corto as unhas
dezoito andares acima de Jerusalém.
Levanto o olhar
a cúpula cintila em ouro e sol
a clara muralha defende o que está salvo.
Todos os dias
as minhas unhas crescem
E eu as corto sem recolher aparas.
Mais lento parece o alterar-se
das muralhas.
No entanto
todos os dias a história recolhe
a poeira
de suas pedras
Marina Colasanti
COM DANTE
Neste Castelo de Gargonza
Dante esteve um pouco antes de mim.
Escapava de inimigos (os gibelinos).
Pisava nestas pedras
ouvia o mesmo sino que na torre ainda há pouco batia.
Isso foi há oito séculos.
O que não é nada
diante das pedras
- e da poesia.
Affonso Romano de Sant’anna
Que o casal me perdoe, caso incorra em equívoco, ao escolher estes dois textos para mostrar a influência/confluência entre dois escritores, que, por acaso, são marido e mulher. Relendo os poemas, penso se não foi a palavra “pedra” que fez com que eu me lembrasse em particular destes dois textos. Talvez. Mas acho que há outras coisas ambos são curtos, com versos livres e quase todos brancos; ambos têm referências externas (Jerusalém e castelo em Gargonza); ambos têm dois momentos (Em “No entanto“ e em “o que é nada” dá-se a “reviravolta” poética; ambos se referem ao tempo (todos os dias. ainda há pouco, há oito séculos) e, especialmente, ao tempo histórico; ambos unem o abstrato com o concreto (a abstrata história recolhe a concreta poeira; a noção abstrata de oito séculos diante das pedras).
Difere o poema de Affonso porque, em seu final, confronta o tempo de oito séculos com a abstrata e/ou concreta (no bom sentido, é claro) poesia.
Ambos mostram como as coisas são relativas, mas, no segundo texto, o relativismo se acentua porque a comparação se dá também com a poesia (a história da poesia? a série literária? a poesia que existe em tudo e não só nos poemas?...) E, se lermos a poeira do 1º texto também como metafórica, ela se aproximará da poesia e deixará de ser concreta. Agora me pergunto se não seria a poesia uma espécie de poeira (e quase um anagrama) que se fixa no branco das páginas e que se espalha pelo ar dos séculos e das histórias.
Marcus Vinicius Quiroga
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
À MANEIRA DE
Manuel Bandeira escreveu alguns poemas à maneira de. E este é um exercício. Não devemos ter medo da influência de outros autores, nem de homenageá-los como Bandeira o fez. Picasso, por exemplo, como era comum na pintura, copiou antes de pintar. E se torrou Picasso, é bom lembrar.
Como exercício, aqui vão alguns pequenos textos. Experimentem o mesmo. Escolham alguns autores e façam poemas à maneira de. Não se trata de plágio, apropriação, sample; apenas de um exercício que exige, sim, a fundamental leitura.
À MANEIRA DE QUINTANA
I
Uma canção não se adia
O que se adia
torna-se silêncio.
II
Às vezes, diante de adversidades,nos perguntamos o que fizemos para estarmos naquela situação,quando deveríamos perguntar o que não fizemos.
III
Mandou pôr abaixo
todas as paredes de seu corpo.
Agora, que já era um amplo loft,
deu pela ausência de janelas.
PARÓDIA DE QUINTANA
Há pessoas que passam a vida plantando sementes de pêssego, e, quando o pessegueiro cresce, dizem surpresas: “Mas isto não é um trator!”
À MANEIRA DE LEMINSKI
Das duas uma:
ou você entra no espelho
e sai de lá tonta
ou inventa uma versão
e nunca mais se encontra
À MANEIRA DE G. TAVARES
Foi morar em um reino
cujos arquitetos não sabiam construir pontes.
Tinha, então, uma boa desculpa
para não sair do lugar.
DRUMMONDIANA
A porta trancada
A janela fechada
A luz apagada
A noite arrumada
Quantas rimas e nenhuma solução!
Marcus Vinicius Quiroga
Como exercício, aqui vão alguns pequenos textos. Experimentem o mesmo. Escolham alguns autores e façam poemas à maneira de. Não se trata de plágio, apropriação, sample; apenas de um exercício que exige, sim, a fundamental leitura.
À MANEIRA DE QUINTANA
I
Uma canção não se adia
O que se adia
torna-se silêncio.
II
Às vezes, diante de adversidades,nos perguntamos o que fizemos para estarmos naquela situação,quando deveríamos perguntar o que não fizemos.
III
Mandou pôr abaixo
todas as paredes de seu corpo.
Agora, que já era um amplo loft,
deu pela ausência de janelas.
PARÓDIA DE QUINTANA
Há pessoas que passam a vida plantando sementes de pêssego, e, quando o pessegueiro cresce, dizem surpresas: “Mas isto não é um trator!”
À MANEIRA DE LEMINSKI
Das duas uma:
ou você entra no espelho
e sai de lá tonta
ou inventa uma versão
e nunca mais se encontra
À MANEIRA DE G. TAVARES
Foi morar em um reino
cujos arquitetos não sabiam construir pontes.
Tinha, então, uma boa desculpa
para não sair do lugar.
DRUMMONDIANA
A porta trancada
A janela fechada
A luz apagada
A noite arrumada
Quantas rimas e nenhuma solução!
Marcus Vinicius Quiroga
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
FEBRUARY
(Dar Willians)
I threw your keys in the water, I looked back,
Theyd frozen halfway down in the ice
They froze up so quickly, the keys and their owners,
Even after the anger, it all turned silent, and
The everyday turned solitary,
So we came to february
First we forgot where wed planted those bulbs last year,
Then we forgot that wed planted at all,
Then we forgot what plants are altogether,
And I blamed you for my freezing and forgetting and
The nights were long and cold and scary,
Can we live through february?
You know I think christmas was a long red glare,
Shot up like a warning, we gave presents without cards,
And then the snow,
And then the snow came, we were always out shoveling,
And wed drop to sleep exhausted,
Then wed wake up, and it’s snowing
And february was so long that it lasted into march
And found us walking a path alone together
You stopped and pointed and you said, ’thats a crocus,’
And I said, ’whats a crocus? ’ and you said, ’its a flower,’
I tried to remember, but I said, ’whats a flower? ’
You said, ’i still love you’
The leaves were turning as we drove to the hardware store,
My new lover made me keys to the house,
And when we got home, well we just started chopping wood,
Because you never know how next year will be,
And well gather all our arms can carry,
I have lost to february
Escutando a canção de Dar Willians, lembrei-me de um tema de que tenho falado com certa frequência nas oficinas: o uso criativo ou expressivo das rimas. Por gostar delas, lamento quem as usa de forma burocrática ou quem as ignore, por vê-las como característica de poema passadista, e sempre chamo a atenção de que elas podem colaborar para a composição do poema, ou, se gastas e previsíveis, podem também enfraquecer o texto.
Fazer poemas com rima ou sem rima é fácil, fazê-los com rimas que tenham uma função verdadeiramente poética é que são elas. Se eu rimar, só por rimar, não tenho mérito; se eu simplesmente não rimar, fugindo ao desafio da criatividade, também não tenho méritos.
Hélcio Martins fez um excelente estudo sobre as rimas em Drummond, que só tem 14% dos seus poemas com rima, o que faz com que o uso tão parcimonioso da rima pelo poeta seja mais significativo.
Sendo February uma letra de música, não um poema, há uma espécie de refrão, em que o segundo verso usa a palavra que dá título à canção. Neste caso, o verso anterior apresenta uma rima com february. Tais rimas nos finais das estrofes fazem com que os versos sejam melhor memorizados e, portanto, valorizam o conteúdo destes finais. Ou seja, estas rimas têm um efeito poético e uma razão de ser. Atentemos para muitos poemas que só apresentam rimas no final da estrofe ou do poema.
Para entendermos esta letra e suas imagens, temos que lembrar que ela se refere às estações no hemisfério norte. Logo February fala sobre o inverno. Melhor, sobre o período mais rigoroso do inverno.
O mês aqui adquire a conotação de frio, gelo e neve, palavras que, na letra, passam da visualização concreta para a significação abstrata. Aliás. observemos no trecho abaixo como as palavras destacadas podem, depois de lidas denotativamente, serem lidas conotativamente, enriquecendo os sentidos latentes na letra.
My new lover made me keys to the house,
And when we got home, well we just started chopping wood,
Because you never know how next year will be,
And well gather all our arms can carry,
I have lost to february
terça-feira, 30 de agosto de 2011
EIS O POEMA SEGREDO. NÃO CONTE.
SEGREDO
A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.
Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.
Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.
Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.
Carlos Drummond de Andrade
O texto de Drummond serve para muitas discussões. Poderíamos parar no primeiro verso e aceitar que de fato a poesia seja incomunicável ou, discordar, e pensar que é só (só?) uma afirmação poética e que, portanto, não deve ser lida literalmente.
Ou poderíamos refletir sobre a incomunicabilidade. Seria a poesia mesmo incomunicável? O que alcança o leitor? Ou há textos mais (in)comunicáveis do que outros?
Um misantropo de plantão diria que tudo é incomunicável, que não há diálogos, só monólogos. Mas deixemos a misantropia para Molière. E exercitemos a nossa tentativa de comunicação.
Já falamos na “estrutura” do poema como seu esqueleto, sua planta baixa e que ela se dá normalmente por algum tipo de repetição, em cuja forma o conteúdo vai se evidenciando. Por exemplo, no caso, temos uma hipótese (ouço dizer, tudo é possível, suponha) e um imperativo negativo que se repetem. E é nesta negação que reside a força do texto, especialmente quando, na última estrofe, os versos preparam para uma conclusão que é desfeita: os homens pediriam perdão, mas você não deve fazê-lo.
Tortos e gauches em nossos cantos, não pediremos perdão porque a história é uma escolha e como tal não deve ser perdoada.
Marcus Vinicius Quiroga
domingo, 28 de agosto de 2011
AS PAREDES DA LINGUAGEM
A palavra é vista como revelação, e até como epifania. Mas muita vez serve para esconder. Sim, mais esconderijo do que refúgio. Ele tece meia dúzia de metáforas e pronto: o mundo permanece o mesmo e o escritor se sente com um ar de inteligência diante das coisas.
Na análise (ou nas análises) aprendemos que a linguagem trai e que discurso algum é inocente. O discurso é, afinal, o material primeiro da sessão. Antes de nos levar a outros mundos, ele nos leva a ele mesmo. Não se trata de um embate entre dois discursos, o do analista e do analisando, mas de um encontro. Até porque o analisando que quiser escapar pelas palavras é quem perde.
Por mais hábil que seja, o escritor também não engana o leitor. Seu texto aparentemente simbólico pode receber aplausos e afagar sua vaidade. Depois é que são elas.
Nada se faz com aquelas imagens tão atraentes na folha do papel. Do lado de fora a vida não muda. As segundas-feiras são inevitáveis e estão lá sempre à nossa espera.
Matáforas não deveriam servir para adiar a vida. O Fernando, ele-mesmo, morreu no dia 30 de novembro de 1935. O que ainda temos hoje são os poemas de Pessoa, um ser bem mais fictício do que ele supunha.
A linguagem serve não só para os belos poemas líricos escritos e não escritos, serve também para os equívocos, para os textos dúbios, para as frases pretensamente reparadoras do mundo.
Antes as palavras-espelho do que as palavras-biombo.
Marcus Vinicius Quiroga
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
Fishing :
(R. Shindell)
Please have a seat. I'm sorry I'm late
I know how long you've had to wait
I did not forget your documents
No time to waste, why not begin?
Here's how it works, I've got these faces
You give them names and I won't deport you
Make sure you face my tape recorder
Make no mistake, this fountain pen
Could put you on a plane by ten
And by the way, your next of kin
I know which house she's hiding in
So now that you know whose skin you're saving
In this photograph, who's this one waving?
I think you know, so speak up, amigo
It says here that by trade you were a fisherman
Well I'll bet you Indians can really reel them in
And if you get the chance
You should try to get up to Lake Michigan
Well maybe, but then again....
Where were we then? Is he your friend?
Well I recommend that you look again
Where does he stay? What is his name?
There is no shame. He'd do the same
So what do you say? I don't have all day
It's up to you. Which will it be
Good citizen or poor campesino?
My dad used to rent us this place in Ontario
He showed us how to cast the line and tie the flies
He used to say that God rewards us for letting the small ones go
Well maybe, but I don't know
Anyway, it's easy to bite. You just take the bait
You can't snap the line
Don't fight the hook
Hurts less if you don't try to dive
Senor, as you know I was a fisherman
And how full the nets came in
We hauled them up by hand
But when we fled, I left them just out past the coral reefs
They're waiting there for me
Running deep
Ouvindo Joan Baez, o ritmo da canção Fishing me fisgou e fez com que eu prestasse atenção na letra. Ao querer entender o porquê do título, encontrei a duplicidade da imagem em fishing. Trata-se de pesca em sentidos diversos: um literal e outro, metafórico.
A letra é um diálogo entre dois sujeitos: um “pescou” o outro e em seu interrogatório fala praticamente sozinho, já que ele é o “pescador”; o “peixe, ameaçado e coagido, permanece calado por mais tempo.
As palavras adquirem significados que navegam de verso para verso e a canção, com um ritmo que destoa da letra, dá um tom irônico ao que é dito. De outro modo, a música aqui torna-se significante de outro significado. Imagine-se dançando ao som de uma letra que trata de ameaça e violência. Você conseguiria?
Ficam a ordem e o medo no ar:
Anyway, it's easy to bite. You just take the bait
You can't snap the line
Don't fight the hook
Hurts less if you don't try to dive
Será que o rock dançante não tem a intenção de mostrar a alienação de quem escuta sem ouvir o que é dito? Que tal uma reportagem sobre as recentes mortes no Pará com o som disco
do famigerado e brega Abba do final dos 70?
E tome polca.
Pescou?
Marcus Vinicius Quiroga
(R. Shindell)
Please have a seat. I'm sorry I'm late
I know how long you've had to wait
I did not forget your documents
No time to waste, why not begin?
Here's how it works, I've got these faces
You give them names and I won't deport you
Make sure you face my tape recorder
Make no mistake, this fountain pen
Could put you on a plane by ten
And by the way, your next of kin
I know which house she's hiding in
So now that you know whose skin you're saving
In this photograph, who's this one waving?
I think you know, so speak up, amigo
It says here that by trade you were a fisherman
Well I'll bet you Indians can really reel them in
And if you get the chance
You should try to get up to Lake Michigan
Well maybe, but then again....
Where were we then? Is he your friend?
Well I recommend that you look again
Where does he stay? What is his name?
There is no shame. He'd do the same
So what do you say? I don't have all day
It's up to you. Which will it be
Good citizen or poor campesino?
My dad used to rent us this place in Ontario
He showed us how to cast the line and tie the flies
He used to say that God rewards us for letting the small ones go
Well maybe, but I don't know
Anyway, it's easy to bite. You just take the bait
You can't snap the line
Don't fight the hook
Hurts less if you don't try to dive
Senor, as you know I was a fisherman
And how full the nets came in
We hauled them up by hand
But when we fled, I left them just out past the coral reefs
They're waiting there for me
Running deep
Ouvindo Joan Baez, o ritmo da canção Fishing me fisgou e fez com que eu prestasse atenção na letra. Ao querer entender o porquê do título, encontrei a duplicidade da imagem em fishing. Trata-se de pesca em sentidos diversos: um literal e outro, metafórico.
A letra é um diálogo entre dois sujeitos: um “pescou” o outro e em seu interrogatório fala praticamente sozinho, já que ele é o “pescador”; o “peixe, ameaçado e coagido, permanece calado por mais tempo.
As palavras adquirem significados que navegam de verso para verso e a canção, com um ritmo que destoa da letra, dá um tom irônico ao que é dito. De outro modo, a música aqui torna-se significante de outro significado. Imagine-se dançando ao som de uma letra que trata de ameaça e violência. Você conseguiria?
Ficam a ordem e o medo no ar:
Anyway, it's easy to bite. You just take the bait
You can't snap the line
Don't fight the hook
Hurts less if you don't try to dive
Será que o rock dançante não tem a intenção de mostrar a alienação de quem escuta sem ouvir o que é dito? Que tal uma reportagem sobre as recentes mortes no Pará com o som disco
do famigerado e brega Abba do final dos 70?
E tome polca.
Pescou?
Marcus Vinicius Quiroga
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
OFICINA DE POESIA NA ESTAÇÃO DAS LETRAS
A Poesia e suas técnicas
Ementa
O curso é oferecido em módulos independentes e complementares. O propósito é familiarizar o aluno com as diversas técnicas da escrita, tendo seu foco voltado para o processo criativo e ficcional. Cada um dos cursos tem duração de quatro aulas (12hs).
Professor
Marcus Vinicius Quiroga -Poeta, contista, crítico, Doutor em Literatura Brasileira, membro do PEN Clube do Brasil e da Academia Carioca de Letras. Autor de 11 livros de poesia, como O xadrez e as palavras, Campo de trigo maduro e Manual de instruções para cegos. Recebeu prêmios da CBL (Jabuti), da Fundação Biblioteca Nacional e da UBE (Rio e São Paulo), entre outros.
Agenda
Período e horários
De: 06/08 a 27/08 sábados das 10h às 13h
Carga horária – 12hs / aula
Valores
R$300,00
Inscrições:
As reservas podem ser feitas:
- pelo telefone (21) 32373947
- no local: Rua Marquês de Abrantes, 177 – Ljs 107/108 (Flamengo)
Descontos:
- Professores e universitários têm 50% de desconto na maioria dos cursos. As vagas são limitadas.
Certificados:
Serão fornecidos certificados aos participantes que obtiverem 75% de presença.
.
Estação das Letras - Rua Marquês de Abrantes, 177 - Lojas 107/108 Flamengo - Rio de Janeiro - RJ :: CEP: 22230-060 :: Telefone: (21) 3237-3947
Ementa
O curso é oferecido em módulos independentes e complementares. O propósito é familiarizar o aluno com as diversas técnicas da escrita, tendo seu foco voltado para o processo criativo e ficcional. Cada um dos cursos tem duração de quatro aulas (12hs).
Professor
Marcus Vinicius Quiroga -Poeta, contista, crítico, Doutor em Literatura Brasileira, membro do PEN Clube do Brasil e da Academia Carioca de Letras. Autor de 11 livros de poesia, como O xadrez e as palavras, Campo de trigo maduro e Manual de instruções para cegos. Recebeu prêmios da CBL (Jabuti), da Fundação Biblioteca Nacional e da UBE (Rio e São Paulo), entre outros.
Agenda
Período e horários
De: 06/08 a 27/08 sábados das 10h às 13h
Carga horária – 12hs / aula
Valores
R$300,00
Inscrições:
As reservas podem ser feitas:
- pelo telefone (21) 32373947
- no local: Rua Marquês de Abrantes, 177 – Ljs 107/108 (Flamengo)
Descontos:
- Professores e universitários têm 50% de desconto na maioria dos cursos. As vagas são limitadas.
Certificados:
Serão fornecidos certificados aos participantes que obtiverem 75% de presença.
.
Estação das Letras - Rua Marquês de Abrantes, 177 - Lojas 107/108 Flamengo - Rio de Janeiro - RJ :: CEP: 22230-060 :: Telefone: (21) 3237-3947
quarta-feira, 13 de julho de 2011
QUEM TEM MEDO DA TÉCNICA?
A Quevedo
Hoje que o engenho não tem praça,
que a poesia se quer mais que arte
e se denega a parte
do engenho em sua traça,
nos mostra teu travejamento
que é possível abolir o lance,
o que é acaso, chance,
mais: que o fazer é engenho.
João Cabral
Hoje que o engenho não tem praça,
que a poesia se quer mais que arte
e se denega a parte
do engenho em sua traça,
nos mostra teu travejamento
que é possível abolir o lance,
o que é acaso, chance,
mais: que o fazer é engenho.
João Cabral
segunda-feira, 11 de julho de 2011
O LITERÁRIO E O "LITERÁRIO"
ALGUNS TOUREIROS
João Cabral de Melo Neto
Eu vi Manolo Gonzáles
e Pepe Luís, de Sevilha:
precisão doce de flor,
graciosa, porém precisa.
Vi também Julio Aparício,
de Madrid, como Parrita:
ciência fácil de flor,
espontânea, porém estrita.
Vi Miguel Báez, Litri,
dos confins da Andaluzia,
que cultiva uma outra flor:
angustiosa de explosiva.
E também Antonio Ordóñez,
que cultiva flor antiga:
perfume de renda velha,
de flor em livro dormida.
Mas eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais deserto,
o toureiro mais agudo,
mais mineral e desperto,
o de nervos de madeira,
de punhos secos de fibra
o da figura de lenha
lenha seca de caatinga,
o que melhor calculava
o fluido aceiro da vida,
o que com mais precisão
roçava a morte em sua fímbria,
o que à tragédia deu número,
à vertigem, geometria
decimais à emoção
e ao susto, peso e medida,
sim, eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais asceta,
não só cultivar sua flor
mas demonstrar aos poetas:
como domar a explosão
com mão serena e contida,
sem deixar que se derrame
a flor que traz escondida,
e como, então, trabalhá-la
com mão certa, pouca e extrema:
sem perfumar sua flor,
sem poetizar seu poema
João Cabral de Melo Neto
Eu vi Manolo Gonzáles
e Pepe Luís, de Sevilha:
precisão doce de flor,
graciosa, porém precisa.
Vi também Julio Aparício,
de Madrid, como Parrita:
ciência fácil de flor,
espontânea, porém estrita.
Vi Miguel Báez, Litri,
dos confins da Andaluzia,
que cultiva uma outra flor:
angustiosa de explosiva.
E também Antonio Ordóñez,
que cultiva flor antiga:
perfume de renda velha,
de flor em livro dormida.
Mas eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais deserto,
o toureiro mais agudo,
mais mineral e desperto,
o de nervos de madeira,
de punhos secos de fibra
o da figura de lenha
lenha seca de caatinga,
o que melhor calculava
o fluido aceiro da vida,
o que com mais precisão
roçava a morte em sua fímbria,
o que à tragédia deu número,
à vertigem, geometria
decimais à emoção
e ao susto, peso e medida,
sim, eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais asceta,
não só cultivar sua flor
mas demonstrar aos poetas:
como domar a explosão
com mão serena e contida,
sem deixar que se derrame
a flor que traz escondida,
e como, então, trabalhá-la
com mão certa, pouca e extrema:
sem perfumar sua flor,
sem poetizar seu poema
quarta-feira, 6 de julho de 2011
LEIAM PORTAIS, DE VÂNIA DE MAGALHÃES
PARQUE VAZIO
Parque vazio
momentos de chuva
hoje as árvores não cantam
Não há vento
Tudo queda inerte
Trago em silêncio
apatia e luz
dores da inércia
Tumulto solitário
Os anjos dourados
não nos visitam mais
Sobre os meus ombros
a manhã cinzenta desliza
Não há ninguém nos gramados
Chove como se fosse
a primeira tempestade
Vânia Magalhães
No sintagma “parque vazio” uma oposição: parque sugere espaço aberto e amplo, portanto, de muitas pessoas; parque é lugar de pra-zer, de alegria; parque pode ser parque de diversões e, então, lugar de festa e de infância...No entanto, este parque se encontra vazio e repleto de negações (árvores não cantam; não há vento;anjos não nos visitam; ninguém nos gramados), além de palavras que indicam imobilidade (inerte, apatia, silêncio, inércia). Esta oposição reaparece em “tumulto solitário”, o verso conclusivo da primeira estrofe.
Neste dia, em que o cinzento predomina sobre o dourado, o eu líri-co se mostra em comunhão com a natureza que chove e que, talvez por isto, tenha afugentado as pessoas do “parque”. No símile dos versos finais, vemos a insinuação de que aquela não é a primeira “tempestade” e certamente não seria a última. Cabe aqui lembrarmos que as tempestades, tanto as físicas quanto as simbólicas, servem também para lavar o corpo e os acontecimentos.
De olhos lavados, podemos ver coisas diferentes e seguir livres da infância, dos parques e também dos anjos.
Marcus Vinicius Quiroga
Parque vazio
momentos de chuva
hoje as árvores não cantam
Não há vento
Tudo queda inerte
Trago em silêncio
apatia e luz
dores da inércia
Tumulto solitário
Os anjos dourados
não nos visitam mais
Sobre os meus ombros
a manhã cinzenta desliza
Não há ninguém nos gramados
Chove como se fosse
a primeira tempestade
Vânia Magalhães
No sintagma “parque vazio” uma oposição: parque sugere espaço aberto e amplo, portanto, de muitas pessoas; parque é lugar de pra-zer, de alegria; parque pode ser parque de diversões e, então, lugar de festa e de infância...No entanto, este parque se encontra vazio e repleto de negações (árvores não cantam; não há vento;anjos não nos visitam; ninguém nos gramados), além de palavras que indicam imobilidade (inerte, apatia, silêncio, inércia). Esta oposição reaparece em “tumulto solitário”, o verso conclusivo da primeira estrofe.
Neste dia, em que o cinzento predomina sobre o dourado, o eu líri-co se mostra em comunhão com a natureza que chove e que, talvez por isto, tenha afugentado as pessoas do “parque”. No símile dos versos finais, vemos a insinuação de que aquela não é a primeira “tempestade” e certamente não seria a última. Cabe aqui lembrarmos que as tempestades, tanto as físicas quanto as simbólicas, servem também para lavar o corpo e os acontecimentos.
De olhos lavados, podemos ver coisas diferentes e seguir livres da infância, dos parques e também dos anjos.
Marcus Vinicius Quiroga
domingo, 3 de julho de 2011
A LISTA
Oswaldo Montenegro
Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais...
Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar!
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar...
Onde você ainda se reconhece
Na foto passada ou no espelho de agora?
Hoje é do jeito que achou que seria
Quantos amigos você jogou fora?
Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender?
Quantos segredos que você guardava
Hoje são bobos ninguém quer saber?
Quantas mentiras você condenava?
Quantas você teve que cometer?
Quantos defeitos sanados com o tempo
Eram o melhor que havia em você?
Quantas canções que você não cantava
Hoje assobia pra sobreviver?
Quantas pessoas que você amava
hoje acreditam que amam você?
Ouvindo um DVD de Oswaldo Montenegro, prestei atenção à letra e ela me lembrou a questão da empatia. Trata-se de uma letra direta, quase que inteiramente denotativa, em que o autor está mais interessado em dizer algo do que na forma poética como diz. Aliás, este é um fato que ocorre com boa parte das letras de nosso cancioneiro.
Com exceção da metáfora “no espelho do agora”, o texto é simples e referencial, mas cumpre o seu objetivo: o de nos fazer pensar sobre o tema da canção, daí a empatia prevalecendo sobre a poesia.
Fazer uma lista pode parecer coisa de livro de autoajuda, mas o fato é que, quando escrevemos algo, é mais difícil mentirmos para nós mesmos, portanto fazer listas é útil e funciona como o espelho, citado posteriormente.
Então, vamos lá: Quem são nossos grandes amigos? Não vale apenas parente, conhecido, colega de trabalho ou ex-colega de escola. Pensemos só em grandes amigos, como confidentes, com os quais temos liberdade para telefonar a qualquer hora e de pedir qualquer coisa sem constrangimento.
Agora vamos à segunda parte: Quantos ainda vemos? Quantos ainda sentam conosco à mesa de um bar? Quantos ainda frequentam a nossa casa? Quantos ainda nos telefonam? Quantos ainda nos escrevem (carta, bilhete, e-mail)?
Não paremos, não. Agora é a vez dos sonhos. Quantos são reescritos nas agendas há décadas? Quantos nos realizamos? Quantos se perderam no caminho? Quantos – cremos- ainda poderão ser alcançados?
E tomemos mais perguntas: Quantos amores, afetos, afeições conseguimos preservar? Quantos amigos jogamos fora? E quantos nos jogaram? Quantos afetos tiveram que desaparecer para que outros surgissem? De quantas vidas desaparecemos para que elas seguissem seus caminhos? Quantos encontros e desencontros nos formaram e nos fragmentaram?
Quantos amores e amigos já morreram lenta ou inesperadamente? Quantos nós já enterramos ou quantos ainda esperam por Antígona? Quantos nos ensinaram a fragilidade do tempo?
E por falar em tempo, que tal pensarmos sobre as coisas que um dia julgávamos importante e que hoje são tão tolas? E também sobre aquelas que permanecem importantes, porque não mudaram, porque não mudamos...
Agradam-me particularmente os versos: “Quantos defeitos sanados com o tempo / Eram o melhor que havia em você?”, porque me irritam, também particularmente, palavras como defeitos e qualidades. São palabras típicas de pessoas inseguras que se dizem “perfeccionistas”, só para insinuar que os outros fazem tudo errado...
Bem, voltemos ao que interessa: “Quantos defeitos sanados com o tempo/ Eram o melhor que havia em você?”. Estes versos nos fazem pensar sobre o que é ou não defeito e que a “correção” de certos “defeitos” por questões sociais, familiares, profissionais, conjugais etc serve apenas para nos afastar de nós mesmos. Lembro aqui de A flor e a náusea, de Drummond: “o menino de 1918 chamavam anarquista./ Porém meu ódio é o melhor de mim. /Com ele me salvo/ e dou a poucos uma esperança mínima”
Embora estejam na terceira estrofe, os versos “Onde você ainda se reconhece?/Na foto passada ou no espelho de agora?/ Hoje é do jeito que achou que seria?” são o clímax da letra, pois amigos, sonhos, amores, mistérios, segredos, tudo faz com que nós nos vejamos e pensemos se é possivel nos reconhecer ou se, mais do que perder amizades, nos perdemos. Não nos reconhecermos no “espelho do agora” é o pior que pode nos acontecer; já na foto passada, certamente não estamos mais, pois o tempo já passou e os acontecimentos ficaram para trás, ainda que eternos (eu prefiro dizer históricos) dentro de nós.
Somos do jeito que achávamos que seríamos? Não? Por que não? O que não fizemos? O que desfizemos? O que escolhemos? O que abandonamos? O que preterimos? O que elegemos?
Na verdade, o grande tema desta canção é o tempo, a passagem do tempo e suas mudanças. Fazer estas listas pessoais também serve para mostrar que tudo muda e não temos que olhar para estas mudanças necessarimente com nostalgia, arrependimento, remorso ou pesar. As coisas mudaram porque quisemos que isto acontecesse. Não somos vítimas do tempo, mas seus agentes.
Guardar álbuns e mais álbuns não nos impede de envelhecermos nem de nos perdermos de nós mesmos. São só imagens. E um porão (ou sótão) cheio de álbuns e poeira talvez nos nos leve de volta a nós mesmos, se for esta a nossa intenção.
Esta letra-balanço sem dúvida insinua que na contabilidade da vida a coluna de perdas foi grande e que nós fomos, é claro, os responsáveis por boa parte delas. Mas seu tom não é de lamúria, mas de reflexão, reflexão que deve conduzir à ação.
Talvez alguns, após ouvi-la, pensem em se reconciliar com antigos amigos; cá eu penso que ela incita a que nos reconciliemos com nós mesmos. Ou seja, que respondamos a tantas perguntas (a estas e a outras tantas) e reflitamos sobre o tempo e o espelho ou, sobre o tempo-espelho. Provavelmente quando abrimos mão de pessoas e de coisas (e até de “sonhos”) o fizemos para não abrirmos mão de nós mesmos. Se muitos de nós se identificam tanto com tais versos é porque a identidade é nossa maior questão.
E que haja sempre uma mínima esperança drummondiana para romper o asfalto, todo tipo de asfalto.
Oswaldo Montenegro
Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais...
Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar!
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar...
Onde você ainda se reconhece
Na foto passada ou no espelho de agora?
Hoje é do jeito que achou que seria
Quantos amigos você jogou fora?
Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender?
Quantos segredos que você guardava
Hoje são bobos ninguém quer saber?
Quantas mentiras você condenava?
Quantas você teve que cometer?
Quantos defeitos sanados com o tempo
Eram o melhor que havia em você?
Quantas canções que você não cantava
Hoje assobia pra sobreviver?
Quantas pessoas que você amava
hoje acreditam que amam você?
Ouvindo um DVD de Oswaldo Montenegro, prestei atenção à letra e ela me lembrou a questão da empatia. Trata-se de uma letra direta, quase que inteiramente denotativa, em que o autor está mais interessado em dizer algo do que na forma poética como diz. Aliás, este é um fato que ocorre com boa parte das letras de nosso cancioneiro.
Com exceção da metáfora “no espelho do agora”, o texto é simples e referencial, mas cumpre o seu objetivo: o de nos fazer pensar sobre o tema da canção, daí a empatia prevalecendo sobre a poesia.
Fazer uma lista pode parecer coisa de livro de autoajuda, mas o fato é que, quando escrevemos algo, é mais difícil mentirmos para nós mesmos, portanto fazer listas é útil e funciona como o espelho, citado posteriormente.
Então, vamos lá: Quem são nossos grandes amigos? Não vale apenas parente, conhecido, colega de trabalho ou ex-colega de escola. Pensemos só em grandes amigos, como confidentes, com os quais temos liberdade para telefonar a qualquer hora e de pedir qualquer coisa sem constrangimento.
Agora vamos à segunda parte: Quantos ainda vemos? Quantos ainda sentam conosco à mesa de um bar? Quantos ainda frequentam a nossa casa? Quantos ainda nos telefonam? Quantos ainda nos escrevem (carta, bilhete, e-mail)?
Não paremos, não. Agora é a vez dos sonhos. Quantos são reescritos nas agendas há décadas? Quantos nos realizamos? Quantos se perderam no caminho? Quantos – cremos- ainda poderão ser alcançados?
E tomemos mais perguntas: Quantos amores, afetos, afeições conseguimos preservar? Quantos amigos jogamos fora? E quantos nos jogaram? Quantos afetos tiveram que desaparecer para que outros surgissem? De quantas vidas desaparecemos para que elas seguissem seus caminhos? Quantos encontros e desencontros nos formaram e nos fragmentaram?
Quantos amores e amigos já morreram lenta ou inesperadamente? Quantos nós já enterramos ou quantos ainda esperam por Antígona? Quantos nos ensinaram a fragilidade do tempo?
E por falar em tempo, que tal pensarmos sobre as coisas que um dia julgávamos importante e que hoje são tão tolas? E também sobre aquelas que permanecem importantes, porque não mudaram, porque não mudamos...
Agradam-me particularmente os versos: “Quantos defeitos sanados com o tempo / Eram o melhor que havia em você?”, porque me irritam, também particularmente, palavras como defeitos e qualidades. São palabras típicas de pessoas inseguras que se dizem “perfeccionistas”, só para insinuar que os outros fazem tudo errado...
Bem, voltemos ao que interessa: “Quantos defeitos sanados com o tempo/ Eram o melhor que havia em você?”. Estes versos nos fazem pensar sobre o que é ou não defeito e que a “correção” de certos “defeitos” por questões sociais, familiares, profissionais, conjugais etc serve apenas para nos afastar de nós mesmos. Lembro aqui de A flor e a náusea, de Drummond: “o menino de 1918 chamavam anarquista./ Porém meu ódio é o melhor de mim. /Com ele me salvo/ e dou a poucos uma esperança mínima”
Embora estejam na terceira estrofe, os versos “Onde você ainda se reconhece?/Na foto passada ou no espelho de agora?/ Hoje é do jeito que achou que seria?” são o clímax da letra, pois amigos, sonhos, amores, mistérios, segredos, tudo faz com que nós nos vejamos e pensemos se é possivel nos reconhecer ou se, mais do que perder amizades, nos perdemos. Não nos reconhecermos no “espelho do agora” é o pior que pode nos acontecer; já na foto passada, certamente não estamos mais, pois o tempo já passou e os acontecimentos ficaram para trás, ainda que eternos (eu prefiro dizer históricos) dentro de nós.
Somos do jeito que achávamos que seríamos? Não? Por que não? O que não fizemos? O que desfizemos? O que escolhemos? O que abandonamos? O que preterimos? O que elegemos?
Na verdade, o grande tema desta canção é o tempo, a passagem do tempo e suas mudanças. Fazer estas listas pessoais também serve para mostrar que tudo muda e não temos que olhar para estas mudanças necessarimente com nostalgia, arrependimento, remorso ou pesar. As coisas mudaram porque quisemos que isto acontecesse. Não somos vítimas do tempo, mas seus agentes.
Guardar álbuns e mais álbuns não nos impede de envelhecermos nem de nos perdermos de nós mesmos. São só imagens. E um porão (ou sótão) cheio de álbuns e poeira talvez nos nos leve de volta a nós mesmos, se for esta a nossa intenção.
Esta letra-balanço sem dúvida insinua que na contabilidade da vida a coluna de perdas foi grande e que nós fomos, é claro, os responsáveis por boa parte delas. Mas seu tom não é de lamúria, mas de reflexão, reflexão que deve conduzir à ação.
Talvez alguns, após ouvi-la, pensem em se reconciliar com antigos amigos; cá eu penso que ela incita a que nos reconciliemos com nós mesmos. Ou seja, que respondamos a tantas perguntas (a estas e a outras tantas) e reflitamos sobre o tempo e o espelho ou, sobre o tempo-espelho. Provavelmente quando abrimos mão de pessoas e de coisas (e até de “sonhos”) o fizemos para não abrirmos mão de nós mesmos. Se muitos de nós se identificam tanto com tais versos é porque a identidade é nossa maior questão.
E que haja sempre uma mínima esperança drummondiana para romper o asfalto, todo tipo de asfalto.
sexta-feira, 17 de junho de 2011
O PROSAICO E O POÉTICO
Cena Familiar
Affonso Romano de Sant'Anna
Densa e doce paz na semiluz da sala.
Na poltrona, enroscada e absorta,
uma filhadesenha patos e flores.
Sobre o couro, no chão,
a outra viaja silenciosanas artimanhas do espião.
Ao pé da lareira a mulher se ilumina numa gravura
flamenga, desenhando, bordando pontos de paz.
Da mesa as contemplo e anoto a felicidade
que transborda da moldura do poema.
A sopa fumegante sobre a mesa, vinhos e queijos,
relembranças de viagens e a lareira acesa.
Esta casa na neblina, ancorada entre pinheiros,
é uma nave iluminada.
Um oboé de Mozart torna densa a eternidade
Observemos esta cena familiar que, a princípio descritiva,vai, aos poucos, se tornando poética. No verso “ao pé da lareira a mulher se ilumina numa gravura”, já temos o verbo iluminar, desfazendo o discurso referencial.
A partir daí, outras imagens vão surgindo: bordar pontos de paz, transbordar da moldura do poema ...
Mas é nos versos finais que o prosaico (a cena familiar que se dá em inúmeras casas) se faz poético, com a metáfora casa: nave iluminada e com a música de Mozart dando àquele momento status de eternidade.
Marcus Vinicius Quiroga
Affonso Romano de Sant'Anna
Densa e doce paz na semiluz da sala.
Na poltrona, enroscada e absorta,
uma filhadesenha patos e flores.
Sobre o couro, no chão,
a outra viaja silenciosanas artimanhas do espião.
Ao pé da lareira a mulher se ilumina numa gravura
flamenga, desenhando, bordando pontos de paz.
Da mesa as contemplo e anoto a felicidade
que transborda da moldura do poema.
A sopa fumegante sobre a mesa, vinhos e queijos,
relembranças de viagens e a lareira acesa.
Esta casa na neblina, ancorada entre pinheiros,
é uma nave iluminada.
Um oboé de Mozart torna densa a eternidade
Observemos esta cena familiar que, a princípio descritiva,vai, aos poucos, se tornando poética. No verso “ao pé da lareira a mulher se ilumina numa gravura”, já temos o verbo iluminar, desfazendo o discurso referencial.
A partir daí, outras imagens vão surgindo: bordar pontos de paz, transbordar da moldura do poema ...
Mas é nos versos finais que o prosaico (a cena familiar que se dá em inúmeras casas) se faz poético, com a metáfora casa: nave iluminada e com a música de Mozart dando àquele momento status de eternidade.
Marcus Vinicius Quiroga
quarta-feira, 15 de junho de 2011
A LINGUAGEM E SEUS FRACASSOS
ASSIM COMO
Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento, Assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquer realidade, Mas, como a realidade pensada não é a dita mas a pensada. Assim a mesma dita realidade existe, não o ser pensada. Assim tudo o que existe, simplesmente existe. O resto é uma espécie de sono que temos, infância da doença. Uma velhice que nos acompanha desde a infância da doença.
Alberto Caeiro
O poema de Pessoa ilustra a questão do fracasso da linguagem, ou da entropia, quando o pensamento se torna palavra, como se esta nunca atingisse a total identidade com aquele.
Em um poema temos a relação entre pensamento, linguagem e realidade. Logo podemos ter distância entre pensamento e linguagem, e entre linguagem e realidade.
Um poema não é o que poeta quis dizer, mas o que ele disse e como ele disse. Um poema não é uma mensagem emitida verticalmente
O jogo de palavras dos primeiros versos, por exemplo, é um modo de dizer algo, e não apenas este “algo”.
Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento, Assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquer realidade, Mas, como a realidade pensada não é a dita mas a pensada. Assim a mesma dita realidade existe, não o ser pensada. Assim tudo o que existe, simplesmente existe. O resto é uma espécie de sono que temos, infância da doença. Uma velhice que nos acompanha desde a infância da doença.
Alberto Caeiro
O poema de Pessoa ilustra a questão do fracasso da linguagem, ou da entropia, quando o pensamento se torna palavra, como se esta nunca atingisse a total identidade com aquele.
Em um poema temos a relação entre pensamento, linguagem e realidade. Logo podemos ter distância entre pensamento e linguagem, e entre linguagem e realidade.
Um poema não é o que poeta quis dizer, mas o que ele disse e como ele disse. Um poema não é uma mensagem emitida verticalmente
O jogo de palavras dos primeiros versos, por exemplo, é um modo de dizer algo, e não apenas este “algo”.
segunda-feira, 13 de junho de 2011
INTERPRETAÇÕES, SEMPRE NO PLURAL
Tu, Místico
Tu, místico, vês uma significação em todas as cousas.
Para ti tudo tem um sentido velado.
Há uma cousa oculta em cada cousa que vês.
O que vês, vê-lo sempre para veres outra cousa.
Para mim, graças a ter olhos só para ver,
Eu vejo ausência de significação em todas as cousas;
Vejo-o e amo-me, porque ser uma cousa é não significar nada.
Ser uma cousa é não ser susceptível de interpretação.
Alberto Caeiro
No dia do aniversário de Fernando Pessoa, nada melhor do que um texto seu para reflexão. Este é de Alberto Caeiro, heterônimo, de extrema coerência e de particular lógica, que trata de um tema de sua predileção: a significação.
As palavras são o que significam ou o que interpretam que elas sejam? Se na política nacional há a famosa história do fato e da versão. na vida também temos versões, e não fatos. E na literatura temos interpretações, sempre no plural. Porque são múltiplas as leituras, as ideologias que se aproximam (e se apropriam) do texto, e as interpretações segundo este ou aquele interesse.
Para Nietzsche, interpretação é sempre uma questão de interesse. Seja lá de que ordem for.
Daí ser susceptível de interpretação é deixar de ser, é ser capturado pela leitura alheia, pela alheia versão, pela alheia parcialidade.
Se lembrarmos que parcialidade vem de parte, toda interpretação é a visão de uma parte, visto que o todo sempre nos escapa.
Párea mestre Caeiro, ser não significa, ser é.
sexta-feira, 10 de junho de 2011
MATERIAIS POÉTICOS I
Materiais
A utilidade da pedra:
fazer um muro ao redor
do que não dá para amar
nem destruir.
A utilidade do gelo:
apaga tudo que arde
ou pelo menos disfarça.
A utilidade do tempo:
o silêncio.
Paulo Henriques Britto
A utilidade da pedra:
fazer um muro ao redor
do que não dá para amar
nem destruir.
A utilidade do gelo:
apaga tudo que arde
ou pelo menos disfarça.
A utilidade do tempo:
o silêncio.
Paulo Henriques Britto
quarta-feira, 8 de junho de 2011
O TEMPO E AS QUATRO PAREDES
Le Passe-Muraille
Resumo
Le Passe-Muraille é um romance de Marcel Aymé publicado em 1943. Ele representa um grande homem chamado Dutilleul que tinha o dom singular de passar através das pare-des sem serem incomodados. Ele usava um pince-nez, um negro pequeno cavanhaque, e ele foi contratado pela terceira classe no Departamento de Registro. Tipo da wan rapaz, cinza invisível, o Sr. Dutilleul saberá perfeitamente aventuras repreenden-tes, encontrar um amor e perdendo o dom excepcional para ficar preso na parede. Ele tem o pintor Eugene Paul e sua guitarra para confortar a solidão. A acção tem lugar Norvins rua em Montmartre no 18 º arrondissement, onde viveu Marcel Aymé.
Neste livro de Marcel Aymé o personagem ficava alguns dias dentro das paredes, e outros, fora. Já a poesia não aceita paredes; deseja-se cotiddiana.
Reparem como na sentença anterior, opus tempo a espaço, para chamar atenção para a estreita relação entre os dois. A princípio, poderíamos dizer que a existência se dá no tempo e no espaço. Ou diríamos que o tempo usa o espaço,posto que o tempo passa, e o espaço, não.
Ao fim da existência, não há mais tempo,mas sobra o espaço. Agora vazio. Portanto, ao fim e ao cabo, a existência se dá mesmo no tempo. E o espaço se faz necessário para que o tempo se espalhe.
Em Guardar, o poeta-filósoto Antonio Cícero,de certa maneira,mostra que as coisas não são guardadas nos espaços, como cofre,mas do lado de fora, através do atos de olhar, admirar e iluminar,atos que só existem no tempo e dependem de alguém para fazê-los, ao contrário do cofre. O olhar e o iluminar têm duração, o cofre, não.
Guardar
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso, melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que de um pássaro sem voos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
Antonio Cícero
Podemos guardar poemas em gavetas, disquetes, CDs,mas a poesia só é guardada no tempo. Por isto, precisamos cuidar (pensar) do tempo para que haja o voo (duração) do pássaro, e não só o pássaro em seu ninho,digo, em seu espaço. Poemas,como pássaros,foram feitos para o ar livre do tempo.
A poesia não pode ficar presa, dentro das quatro paredes dos hábi-tos e dos relógios de um mundo supostamente familiar.
Podemos guardar poemas em gavetas, disquetes, CDs,mas a poe-sia só é guardada no tempo. Por isto, precisamos cuidar (pensar) do tempo para que haja o voo (duração) do pássaro, e não só o pássaro em seu ninho,digo, em seu espaço. Poemas,como pássaros,foram feitos para o ar livre do tempo.
A poesia não pode ficar presa, dentro das quatro paredes dos hábitos e dos relógios de um mundo supostamente familiar. A poesia exige que saiamos do lugar para guardá-la,fora de lugar. No tempo. Sempre.
Resumo
Le Passe-Muraille é um romance de Marcel Aymé publicado em 1943. Ele representa um grande homem chamado Dutilleul que tinha o dom singular de passar através das pare-des sem serem incomodados. Ele usava um pince-nez, um negro pequeno cavanhaque, e ele foi contratado pela terceira classe no Departamento de Registro. Tipo da wan rapaz, cinza invisível, o Sr. Dutilleul saberá perfeitamente aventuras repreenden-tes, encontrar um amor e perdendo o dom excepcional para ficar preso na parede. Ele tem o pintor Eugene Paul e sua guitarra para confortar a solidão. A acção tem lugar Norvins rua em Montmartre no 18 º arrondissement, onde viveu Marcel Aymé.
Neste livro de Marcel Aymé o personagem ficava alguns dias dentro das paredes, e outros, fora. Já a poesia não aceita paredes; deseja-se cotiddiana.
Reparem como na sentença anterior, opus tempo a espaço, para chamar atenção para a estreita relação entre os dois. A princípio, poderíamos dizer que a existência se dá no tempo e no espaço. Ou diríamos que o tempo usa o espaço,posto que o tempo passa, e o espaço, não.
Ao fim da existência, não há mais tempo,mas sobra o espaço. Agora vazio. Portanto, ao fim e ao cabo, a existência se dá mesmo no tempo. E o espaço se faz necessário para que o tempo se espalhe.
Em Guardar, o poeta-filósoto Antonio Cícero,de certa maneira,mostra que as coisas não são guardadas nos espaços, como cofre,mas do lado de fora, através do atos de olhar, admirar e iluminar,atos que só existem no tempo e dependem de alguém para fazê-los, ao contrário do cofre. O olhar e o iluminar têm duração, o cofre, não.
Guardar
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso, melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que de um pássaro sem voos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
Antonio Cícero
Podemos guardar poemas em gavetas, disquetes, CDs,mas a poesia só é guardada no tempo. Por isto, precisamos cuidar (pensar) do tempo para que haja o voo (duração) do pássaro, e não só o pássaro em seu ninho,digo, em seu espaço. Poemas,como pássaros,foram feitos para o ar livre do tempo.
A poesia não pode ficar presa, dentro das quatro paredes dos hábi-tos e dos relógios de um mundo supostamente familiar.
Podemos guardar poemas em gavetas, disquetes, CDs,mas a poe-sia só é guardada no tempo. Por isto, precisamos cuidar (pensar) do tempo para que haja o voo (duração) do pássaro, e não só o pássaro em seu ninho,digo, em seu espaço. Poemas,como pássaros,foram feitos para o ar livre do tempo.
A poesia não pode ficar presa, dentro das quatro paredes dos hábitos e dos relógios de um mundo supostamente familiar. A poesia exige que saiamos do lugar para guardá-la,fora de lugar. No tempo. Sempre.
segunda-feira, 6 de junho de 2011
POESIA E ESCOLHA
CONVERGÊNCIA
não é só a folha
que escolhe
o poema
também a pena
escolhe
o tema
as palavras
não é só a folha
que a pena
ara
também a palavra
cava fundo
e esbarra
no sentido
não é só o silêncio
que escolhe
o poeta
também no não dito
ele
se espelha
todo poema olha
o mundo
de um modo
não há texto
que não seja feito de escolha
Bernado Campos
Todo texto é feito de escolhas paradigmáticas e sintag-máticas, como se dizia. Todo texto é um recorte (e poderia ser outro), logo nos faz olhar para uma determinada direção (e não para outras) e pensar em certas coisas (e não em outras).
Cada palavra em si já é uma escolha. E na poesia, mais do que na prosa, ela tem mais razões para estar ali naquele lugar do texto.
Toda palavra é histórica. Toda escolha também.
Para o leitor de formação mais sincrônica, a percepção diacrônica do mundo é mais difícil. Ele só lê o texto no momento, como se as palavras não estivessem ali há muito tempo. Quem não olha para o antes da palavra, não lhe percebe o sentido.
As escolhas não são só sincrônicas, elas têm um pretéri-to, uma raiz. Querer compreender o texto pensando só no momento presente é não querer compreendê-lo.
Leitores sincrônicos normalmente andam em círculos e não se dão conta das razões que os levam a não sair do lu-gar. Associações erradas os conduzem a interpretações erradas.
Todo texto responde por suas escolhas. Do mesmo modo o leitor.
Os acasos diminuem na relação direta do crescimento das escolhas. E se algo se repete com frequência, é sinal de que a repetição não é por acaso.
Não há tanto “destino”, quando há mais escolhas.
Com a sucessão histórica de escolhas o poeta constrói sua casa; outros, o vazio.
Do lado de fora, tudo é espelho.
Marcus Vinicius Quiroga
não é só a folha
que escolhe
o poema
também a pena
escolhe
o tema
as palavras
não é só a folha
que a pena
ara
também a palavra
cava fundo
e esbarra
no sentido
não é só o silêncio
que escolhe
o poeta
também no não dito
ele
se espelha
todo poema olha
o mundo
de um modo
não há texto
que não seja feito de escolha
Bernado Campos
Todo texto é feito de escolhas paradigmáticas e sintag-máticas, como se dizia. Todo texto é um recorte (e poderia ser outro), logo nos faz olhar para uma determinada direção (e não para outras) e pensar em certas coisas (e não em outras).
Cada palavra em si já é uma escolha. E na poesia, mais do que na prosa, ela tem mais razões para estar ali naquele lugar do texto.
Toda palavra é histórica. Toda escolha também.
Para o leitor de formação mais sincrônica, a percepção diacrônica do mundo é mais difícil. Ele só lê o texto no momento, como se as palavras não estivessem ali há muito tempo. Quem não olha para o antes da palavra, não lhe percebe o sentido.
As escolhas não são só sincrônicas, elas têm um pretéri-to, uma raiz. Querer compreender o texto pensando só no momento presente é não querer compreendê-lo.
Leitores sincrônicos normalmente andam em círculos e não se dão conta das razões que os levam a não sair do lu-gar. Associações erradas os conduzem a interpretações erradas.
Todo texto responde por suas escolhas. Do mesmo modo o leitor.
Os acasos diminuem na relação direta do crescimento das escolhas. E se algo se repete com frequência, é sinal de que a repetição não é por acaso.
Não há tanto “destino”, quando há mais escolhas.
Com a sucessão histórica de escolhas o poeta constrói sua casa; outros, o vazio.
Do lado de fora, tudo é espelho.
Marcus Vinicius Quiroga
quinta-feira, 2 de junho de 2011
O REGISTRO COLOQUIAL E A IRONIA
Sonetilho de verão
Traído pelas palavras.
O mundo não tem conserto.
Meu coração se agonia.
Minha alma se escalavra.
Meu corpo não liga não.
A idéia resiste ao verso,
o verso recusa a rima,
a rima afronta a razão
e a razão desatina.
Desejo manda lembranças.
O poema não deu certo.
A vida não deu em nada.
Não há deus. Não há esperança.
Amanhã deve dar praia.
Neste poema temos o uso de registros diferentes para que que ocorra um choque,um estranhamento. A linguagem coloquial já não é há muito tempo novidade na poesia, mas o convívio de diferentes registros é a causa do novo neste texto. A expressão popular final, típica do linguajar carioca, estabelece um distanciamento irônico em relação ao que foi dito acima. De afirmações graves como "o mundo não tem conserto" ou "meu coração se agonia" o poema chega a um final inesperado com "amanhã deve dar praia". Não é só o discurso coloquial que interrompe questões existenciais sérias, mas a mudança de interesse: a possiblidade de praia,isto é,de prazer imediato, físico, possível no lugar de respostas a questões de ordem metafísica,e talvez inalcançáveis.
Traído pelas palavras.
O mundo não tem conserto.
Meu coração se agonia.
Minha alma se escalavra.
Meu corpo não liga não.
A idéia resiste ao verso,
o verso recusa a rima,
a rima afronta a razão
e a razão desatina.
Desejo manda lembranças.
O poema não deu certo.
A vida não deu em nada.
Não há deus. Não há esperança.
Amanhã deve dar praia.
Neste poema temos o uso de registros diferentes para que que ocorra um choque,um estranhamento. A linguagem coloquial já não é há muito tempo novidade na poesia, mas o convívio de diferentes registros é a causa do novo neste texto. A expressão popular final, típica do linguajar carioca, estabelece um distanciamento irônico em relação ao que foi dito acima. De afirmações graves como "o mundo não tem conserto" ou "meu coração se agonia" o poema chega a um final inesperado com "amanhã deve dar praia". Não é só o discurso coloquial que interrompe questões existenciais sérias, mas a mudança de interesse: a possiblidade de praia,isto é,de prazer imediato, físico, possível no lugar de respostas a questões de ordem metafísica,e talvez inalcançáveis.
segunda-feira, 30 de maio de 2011
O POEMA É POR INTEIRO
O Poema
Ou se vive por inteiro
ou pela metade a gente
escreve a vida
que não viveu.
E o papel em branco então serve
como serve ao prisioneiro
a parede branca do cárcere.
O que não foi é o ser que é
no poema, esse ato mágico
de uma chama que não se vê
tanto mais quanto ela queima
no ar de uma cela vazia
o homem que é posto em pé
sobre os mortos do seu dia.
Moacyr Félix
O poeta político Moacyr Félix aqui funde metalinguagem com política (no seu sentido mais amplo). Para nós, da oficina, chamo a atenção para a linguagem conotativa: símile na segunda estrofe e metáforas na terceira, e as áreas semânticas (prisioneiro, cela, cárcere; poema, folha em branco, escreve).
Se, por um lado, temos imagem mais gasta como “chama que queima”; por outro,temos imagem que permite múltiplas leituras,como os dois últimos versos.
Mas no momento o que queremos mesmo é pensar sobre a primeira estrofe, cujos versos lembram a estrutura de um axioma filosófico, uma afirmação, e isto aparece com certa frequência na obra de muitos poetas.
A opção posta por Moacyr tanto serve para a poesia, quanto para a vida. O aqui e agora, o espaço e tempo estão subentendidos, porque não há como separá-los. Ou estamos inteiro nas coisas mais simples e mais corriqueiras ou estamos em falta, e na falta. Ou, triste e ironicamente, como diz o poeta, pela metade cabe a nós escrever sobre metades.
Estar inteiro não é coisa de celebridade, de holofotes, de glamour, afinal a vida não é invenção da mídia; estar inteiro é coisa do dia a dia e do que (permitam-me o jogo de palavras) não se adia. Vida que se adia, sim, é vida pela metade.
Na vida, como na poesia, não há o que se esperar. E aqui (ou seria agora?) lembramo-nos de Ouro sob água, de Suzana Vargas:
...um homem
me perguntava
sobre a melhor forma
de começar um banho
sem reparar no profundo da questão
- Entro devagar
ou de uma vez por todas? Perguntou
-Por todas, respondi
Não há céu ou inferno
que comece devagar
Pela metade talvez equivalha a devagar e inteiro, a de uma vez por todas. E Suzana agora (ou seria aqui?) nos confunde com a sugestão de que a vida também é uma questão de advérbio de modo.
Hoje são feitas a vida e a arte; para amanhã, só o arrependimento e o remorso, matéria que normalmente dá tema psicanalítico ou religioso, mas não poético. Já este parágrafo insinua que a vida tem muito a ver com advérbios de tempo. Seja o advérbio que for, mas de preferência não seja para escrever a vida que não vivemos.
Ou se vive por inteiro
ou pela metade a gente
escreve a vida
que não viveu.
E o papel em branco então serve
como serve ao prisioneiro
a parede branca do cárcere.
O que não foi é o ser que é
no poema, esse ato mágico
de uma chama que não se vê
tanto mais quanto ela queima
no ar de uma cela vazia
o homem que é posto em pé
sobre os mortos do seu dia.
Moacyr Félix
O poeta político Moacyr Félix aqui funde metalinguagem com política (no seu sentido mais amplo). Para nós, da oficina, chamo a atenção para a linguagem conotativa: símile na segunda estrofe e metáforas na terceira, e as áreas semânticas (prisioneiro, cela, cárcere; poema, folha em branco, escreve).
Se, por um lado, temos imagem mais gasta como “chama que queima”; por outro,temos imagem que permite múltiplas leituras,como os dois últimos versos.
Mas no momento o que queremos mesmo é pensar sobre a primeira estrofe, cujos versos lembram a estrutura de um axioma filosófico, uma afirmação, e isto aparece com certa frequência na obra de muitos poetas.
A opção posta por Moacyr tanto serve para a poesia, quanto para a vida. O aqui e agora, o espaço e tempo estão subentendidos, porque não há como separá-los. Ou estamos inteiro nas coisas mais simples e mais corriqueiras ou estamos em falta, e na falta. Ou, triste e ironicamente, como diz o poeta, pela metade cabe a nós escrever sobre metades.
Estar inteiro não é coisa de celebridade, de holofotes, de glamour, afinal a vida não é invenção da mídia; estar inteiro é coisa do dia a dia e do que (permitam-me o jogo de palavras) não se adia. Vida que se adia, sim, é vida pela metade.
Na vida, como na poesia, não há o que se esperar. E aqui (ou seria agora?) lembramo-nos de Ouro sob água, de Suzana Vargas:
...um homem
me perguntava
sobre a melhor forma
de começar um banho
sem reparar no profundo da questão
- Entro devagar
ou de uma vez por todas? Perguntou
-Por todas, respondi
Não há céu ou inferno
que comece devagar
Pela metade talvez equivalha a devagar e inteiro, a de uma vez por todas. E Suzana agora (ou seria aqui?) nos confunde com a sugestão de que a vida também é uma questão de advérbio de modo.
Hoje são feitas a vida e a arte; para amanhã, só o arrependimento e o remorso, matéria que normalmente dá tema psicanalítico ou religioso, mas não poético. Já este parágrafo insinua que a vida tem muito a ver com advérbios de tempo. Seja o advérbio que for, mas de preferência não seja para escrever a vida que não vivemos.
Marcus Vinicius Quiroga
sexta-feira, 27 de maio de 2011
EXERCÍCIOS DA OFICINA
1 – Leia os dois textos abaixo e faça um poema com temática social,abordando algum problema atual do país.
MULHER PROLETÁRIA
Mulher proletária — única fábrica
que o operário tem, (fabrica filhos)
tu
na tua superprodução de máquina humana
forneces anjos para o Senhor Jesus,
forneces braços para o senhor burguês.
Mulher proletária,
o operário, teu proprietário
há de ver, há de ver:
a tua produção,
a tua superprodução,
ao contrário das máquinas burguesas
salvar o teu proprietário.
Jorge de Lima
PRIMEIRO DE MAIO
Hoje a cidade está parada
E ele apressa a caminhada
Pra acordar a namorada logo ali
E vai sorrindo, vai aflito
Pra mostrar, cheio de si
Que hoje ele é senhor das suas mãos
E das ferramentas
Quando a sirene não apita
Ela acorda mais bonita
Sua pele é sua chita, seu fustão
E, bem ou mal, é seu veludo
É o tafetá que Deus lhe deu
E é vendito o fruto do suor
Do trabalho que é só seu
Hoje eles hão de consagrar
O dia inteiro pra se amar tanto
Ele, o artesão
Faz dentro dela a sua oficina
E ela, a tecelã
Vai fiar nas malhar do seu ventre
O homem de amanhã
Chico Buarque
2 – Depois de ler o poema de Drummond,faça outro,também narrativo, com tema livre.
DESAPARECIMENTO DE LUÍSA PORTO
Pede-se a quem souber
do paradeiro de Luísa Porto
avise sua residência
À Rua Santos Óleos, 48.
Previna urgente
solitária mãe enferma
entrevada ha longos anos
erma de seus cuidados.
Pede-se a quem avistar
Luísa Porto, de 37 anos,
que apareça, que escreva,
que mande dizer
onde está.
Suplica-se ao repórter-amador,
ao caixeiro, ao mata-mosquitos, ao transeunte,
a qualquer do povo e da classe média,
até mesmo aos senhores ricos,
que tenham pena de mãe aflita
e lhe restituam a filha volatilizada
ou pelo menos dêem informações.
É alta, magra,
morena, rosto penugento, dentes alvos,
sinal de nascença junto ao olho esquerdo,
levemente estrábica.
Vestidinho simples. Óculos.
Sumida há três meses.
Mãe entrevada chamando.
Roga-se ao povo caritativo desta cidade
que tome em consideração um caso de família
digno de simpatia especial.
Luísa é de bom gênio, correta, meiga, trabalhadora, religiosa.
Foi fazer compras na feira da praça.
Não voltou.
Levava pouco dinheiro na bolsa.
(Procurem Luísa.)
De ordinário não se demorava.
(Procurem Luísa.)
Namorado isso não tinha.
(Procurem. Procurem.)
Faz tanta falta.
Se todavia não a encontrarem
nem por isso deixem de procurar
com obstinação e confiança que Deus sempre recompensa
e talvez encontrem.
Mãe, viúva pobre, não perde a esperança.
Luísa ia pouco a cidade
e aqui no bairro é onde melhor pode ser pesquisada.
Sua melhor amiga, depois da mãe enferma,
É Rita Santana, costureira, moça desimpedida.
a qual não da noticia nenhuma,
limitando-se a responder: Não sei.
O que não deixa de ser esquisito.
Somem tantas pessoas anualmente
numa cidade como o Rio de janeiro
que talvez Luísa Porto jamais seja encontrada.
Uma vez, em 1898,ou 9,
sumiu o próprio chefe de polícia
que saíra a tarde para uma volta no Largo do Rocio
e até hoje.
A mãe de Luísa, então jovem, leu no Diário Mercantil,
ficou pasma.
O jornal embrulhado na memória.
Mal sabia ela que o casamento curto, a viuvez,
a pobreza, a paralisia, o queixume
seriam, na vida, seu lote
e que sua única filha, afável posto que estrábica,
se diluiria sem explicação.
Pela ultima vez e em nome de Deus
todo-poderoso e cheio de misericórdia
procurem a moça, procurem
essa que se chama Luísa Porto
e é sem namorado.
Esqueçam a luta política,
ponham de lado preocupações comerciais,
percam um pouco de tempo indagando,
inquirindo, remexendo.
Não se arrependerão. Não
há gratificação maior do que o sorriso
de mãe em festa
e a paz intima
conseqüente às boas e desinteressadas ações,
puro orvalho da alma.
Não me venham dizer que Luísa suicidou-se.
O santo lume da fé
ardeu sempre em sua alma
pertence a Deus e a Teresinha do Menino Jesus.
Ela não se matou.
Procurem-na.
Tampouco foi vítima de desastre que a polícia ignora
e os jornais não deram.
Está viva para consolo de uma entrevada
e triunfo geral do amor materno
filial e do próximo.
Nada de insinuações quanto à moça casta
e que não tinha, não tinha namorado.
Algo de extraordinário terá acontecido,
terremoto, chegada de rei.
As ruas mudaram de rumo,
para que demore tanto, é noite.
Mas há de voltar, espontânea
ou trazida por mão benigna,
O olhar desviado e terno, canção.
A qualquer hora do dia ou da noite
quem a encontrar avise a Rua Santos Óleos.
Não tem telefone.
Tem uma empregada velha que apanha o recado
e tomará providencias.
Mas
se acharem que a sorte dos povos é mais importante
e que não devemos atentar nas dores individuais,
se fecharem ouvidos a este apelo de campainha,
não faz mal, insultem a mãe de Luísa,
virem a pagina:
Deus terá compaixão da abandonada e da ausente,
erguerá a enferma, e os membros perclusos
já se desatam em forma de busca.
Deus lhe dirá :
Vai,
procura tua filha, beija-a e fecha-a para sempre em teu coração.
Ou talvez não seja preciso esse favor divino.
A mãe de Luísa ( somos pecadores )
sabe-se indigna de tamanha graça.
E resta a espera, que sempre é um dom.
Sim, os extraviados um dia regressam
— ou nunca, ou pode ser, ou ontem.
E de pensar realizamos.
Quer apenas sua filhinha
que numa tarde remota de Cachoeiro
acabou de nascer e cheira a leite,
a cólica, a lágrima.
Já não interessa a descrição do corpo
nem esta, perdoem, fotografia,
disfarces de realidade mais intensa
e que anúncio algum proverá.
Cessem pesquisas, rádios, calai-vos•
Calma de flores abrindo
no canteiro azul
onde desabrocham seios e uma forma de virgem
intacta nos tempos.
E de sentir compreendemos.
Já não adianta procurar
minha querida filha Luísa
que enquanto vagueio pelas cinzas do mundo
com inúteis pés fixados, enquanto sofro
e sofrendo me solto e me recomponho
e torno a viver e ando,
está inerte
gravada no centro da estrela invisível
Amor.
Carlos Drummond de Andrade
3 - Todo texto tem uma visão de mundo: uns de forma mais explícita do que outros.No caso de Tarefa,de Geir Campos.percebemos os valores humanistas.Faça, então,um poema
em que valores sejam mais facilmente identificados.
TAREFA
Morder o fruto amargo e não cuspir
mas avisar aos outros quanto é amargo,
cumprir o trato injusto e não falhar
mas avisar aos outros quanto é injusto,
sofrer o esquema falso e não ceder
mas avisar aos outros quanto é falso;
dizer também que são coisas mutáveis...
E quando em muitos a noção pulsar
— do amargo e injusto e falso por mudar —
então confiar à gente exausta o plano
de um mundo novo e muito mais humano.
Geir Campos
4 – Faça mais uma estrofe para o poema de Cecília, mantendo a coerência das ideias.
A ARTE DE SER FELIZ
Houve um tempo em que minha janela
se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz. Perto da janela havia um
pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre
as plantas. Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas
de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava
completamente feliz.
.........................................................
Cecília Meireles
6 – Leia os poemas que tratam da infância e faça outro sobre o mesmo assunto,em versos livres,como os de Drummond ou metrificados, como os de Secchin.
INFÂNCIA
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
Carlos Drummond de Andrade
"DE CHUMBO ERAM SOMENTE DEZ SOLDADOS"
De chumbo eram somente dez soldados,
plantados entre a Pérsia e o sono fundo,
e com certeza o espaço dessa mesa
era maior que o diâmetro do mundo.
Aconchego de montanhas matutinas
com degraus desenhados pelo vento;
mas na lisa planície da alegria
corre o rio feroz do esquecimento.
Meninos e manhãs, densas lembranças
que o tempo contamina até o osso,
fazendo da memória um balde cego
vazando no negrume de um poço.
Pouco a pouco vão sendo derrubados
as manhãs, os meninos e os soldados.
7 – Faça versos para o poema de Astrid Cabral, de forma que a continuação faça sentido.
ENSAIANDO PARTIDAS
...........................................................
Na praça São Sebastião galeras de bronze
destinavam-se a longínquos continentes mas
imóveis não singravam ondas de lusas pedras
deixavam-se estar molhadas tão só de chuvas
proas frustradas de horizontes e azuis.
Que estranha calmaria as conjurara, quilhas
vacinadas contra a vertigem dos ventos?
Ou estariam desde sempre fundeadas nas
invisíveis correntes d’água dos séculos?
Dobravam os sinos abafando os frenéticos
pianos a planger nos salões dos sobrados
mas o que sempre se ouvia, pouco importa
se baixo e rouco, era o gargarejar do rio
a vocação de foz e mar drenando fragmentos
de terra, arrastando de roldão os corações.
Astrid Cabral
8- Faça uma paródia do famoso poema de Bandeira.
PNEUMOTÓRAX
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida ineira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o
[pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Manuel Bandeira
9 – Serenata sintética,como o título já diz ,é um exemplo de poema curto,como vigorou nos anos 60. Faça um poema em que haja também bastante condensação da linguagem.
SERENATA SINTÉTICA
Rua
torta.
Lua
morta.
Tua
porta.
Cassiano Ricardo
10 – Vejamos outro texto de Cassiano Ricardo. Agora temos um de poema metalinguís-tico.Faça, então,outro em que haja questões de metalinguagem.
POÉTICA
1
Que é a Poesia?
Uma ilha
Cercada
De palavras
Por todos
Os lados.
2
Que é o Poeta?
Um homem
Que trabalha o poema
Com o suor do seu rosto.
Um homem
Que tem fome
Como qualquer outro
Homem.
Cassiano Ricardo
MULHER PROLETÁRIA
Mulher proletária — única fábrica
que o operário tem, (fabrica filhos)
tu
na tua superprodução de máquina humana
forneces anjos para o Senhor Jesus,
forneces braços para o senhor burguês.
Mulher proletária,
o operário, teu proprietário
há de ver, há de ver:
a tua produção,
a tua superprodução,
ao contrário das máquinas burguesas
salvar o teu proprietário.
Jorge de Lima
PRIMEIRO DE MAIO
Hoje a cidade está parada
E ele apressa a caminhada
Pra acordar a namorada logo ali
E vai sorrindo, vai aflito
Pra mostrar, cheio de si
Que hoje ele é senhor das suas mãos
E das ferramentas
Quando a sirene não apita
Ela acorda mais bonita
Sua pele é sua chita, seu fustão
E, bem ou mal, é seu veludo
É o tafetá que Deus lhe deu
E é vendito o fruto do suor
Do trabalho que é só seu
Hoje eles hão de consagrar
O dia inteiro pra se amar tanto
Ele, o artesão
Faz dentro dela a sua oficina
E ela, a tecelã
Vai fiar nas malhar do seu ventre
O homem de amanhã
Chico Buarque
2 – Depois de ler o poema de Drummond,faça outro,também narrativo, com tema livre.
DESAPARECIMENTO DE LUÍSA PORTO
Pede-se a quem souber
do paradeiro de Luísa Porto
avise sua residência
À Rua Santos Óleos, 48.
Previna urgente
solitária mãe enferma
entrevada ha longos anos
erma de seus cuidados.
Pede-se a quem avistar
Luísa Porto, de 37 anos,
que apareça, que escreva,
que mande dizer
onde está.
Suplica-se ao repórter-amador,
ao caixeiro, ao mata-mosquitos, ao transeunte,
a qualquer do povo e da classe média,
até mesmo aos senhores ricos,
que tenham pena de mãe aflita
e lhe restituam a filha volatilizada
ou pelo menos dêem informações.
É alta, magra,
morena, rosto penugento, dentes alvos,
sinal de nascença junto ao olho esquerdo,
levemente estrábica.
Vestidinho simples. Óculos.
Sumida há três meses.
Mãe entrevada chamando.
Roga-se ao povo caritativo desta cidade
que tome em consideração um caso de família
digno de simpatia especial.
Luísa é de bom gênio, correta, meiga, trabalhadora, religiosa.
Foi fazer compras na feira da praça.
Não voltou.
Levava pouco dinheiro na bolsa.
(Procurem Luísa.)
De ordinário não se demorava.
(Procurem Luísa.)
Namorado isso não tinha.
(Procurem. Procurem.)
Faz tanta falta.
Se todavia não a encontrarem
nem por isso deixem de procurar
com obstinação e confiança que Deus sempre recompensa
e talvez encontrem.
Mãe, viúva pobre, não perde a esperança.
Luísa ia pouco a cidade
e aqui no bairro é onde melhor pode ser pesquisada.
Sua melhor amiga, depois da mãe enferma,
É Rita Santana, costureira, moça desimpedida.
a qual não da noticia nenhuma,
limitando-se a responder: Não sei.
O que não deixa de ser esquisito.
Somem tantas pessoas anualmente
numa cidade como o Rio de janeiro
que talvez Luísa Porto jamais seja encontrada.
Uma vez, em 1898,ou 9,
sumiu o próprio chefe de polícia
que saíra a tarde para uma volta no Largo do Rocio
e até hoje.
A mãe de Luísa, então jovem, leu no Diário Mercantil,
ficou pasma.
O jornal embrulhado na memória.
Mal sabia ela que o casamento curto, a viuvez,
a pobreza, a paralisia, o queixume
seriam, na vida, seu lote
e que sua única filha, afável posto que estrábica,
se diluiria sem explicação.
Pela ultima vez e em nome de Deus
todo-poderoso e cheio de misericórdia
procurem a moça, procurem
essa que se chama Luísa Porto
e é sem namorado.
Esqueçam a luta política,
ponham de lado preocupações comerciais,
percam um pouco de tempo indagando,
inquirindo, remexendo.
Não se arrependerão. Não
há gratificação maior do que o sorriso
de mãe em festa
e a paz intima
conseqüente às boas e desinteressadas ações,
puro orvalho da alma.
Não me venham dizer que Luísa suicidou-se.
O santo lume da fé
ardeu sempre em sua alma
pertence a Deus e a Teresinha do Menino Jesus.
Ela não se matou.
Procurem-na.
Tampouco foi vítima de desastre que a polícia ignora
e os jornais não deram.
Está viva para consolo de uma entrevada
e triunfo geral do amor materno
filial e do próximo.
Nada de insinuações quanto à moça casta
e que não tinha, não tinha namorado.
Algo de extraordinário terá acontecido,
terremoto, chegada de rei.
As ruas mudaram de rumo,
para que demore tanto, é noite.
Mas há de voltar, espontânea
ou trazida por mão benigna,
O olhar desviado e terno, canção.
A qualquer hora do dia ou da noite
quem a encontrar avise a Rua Santos Óleos.
Não tem telefone.
Tem uma empregada velha que apanha o recado
e tomará providencias.
Mas
se acharem que a sorte dos povos é mais importante
e que não devemos atentar nas dores individuais,
se fecharem ouvidos a este apelo de campainha,
não faz mal, insultem a mãe de Luísa,
virem a pagina:
Deus terá compaixão da abandonada e da ausente,
erguerá a enferma, e os membros perclusos
já se desatam em forma de busca.
Deus lhe dirá :
Vai,
procura tua filha, beija-a e fecha-a para sempre em teu coração.
Ou talvez não seja preciso esse favor divino.
A mãe de Luísa ( somos pecadores )
sabe-se indigna de tamanha graça.
E resta a espera, que sempre é um dom.
Sim, os extraviados um dia regressam
— ou nunca, ou pode ser, ou ontem.
E de pensar realizamos.
Quer apenas sua filhinha
que numa tarde remota de Cachoeiro
acabou de nascer e cheira a leite,
a cólica, a lágrima.
Já não interessa a descrição do corpo
nem esta, perdoem, fotografia,
disfarces de realidade mais intensa
e que anúncio algum proverá.
Cessem pesquisas, rádios, calai-vos•
Calma de flores abrindo
no canteiro azul
onde desabrocham seios e uma forma de virgem
intacta nos tempos.
E de sentir compreendemos.
Já não adianta procurar
minha querida filha Luísa
que enquanto vagueio pelas cinzas do mundo
com inúteis pés fixados, enquanto sofro
e sofrendo me solto e me recomponho
e torno a viver e ando,
está inerte
gravada no centro da estrela invisível
Amor.
Carlos Drummond de Andrade
3 - Todo texto tem uma visão de mundo: uns de forma mais explícita do que outros.No caso de Tarefa,de Geir Campos.percebemos os valores humanistas.Faça, então,um poema
em que valores sejam mais facilmente identificados.
TAREFA
Morder o fruto amargo e não cuspir
mas avisar aos outros quanto é amargo,
cumprir o trato injusto e não falhar
mas avisar aos outros quanto é injusto,
sofrer o esquema falso e não ceder
mas avisar aos outros quanto é falso;
dizer também que são coisas mutáveis...
E quando em muitos a noção pulsar
— do amargo e injusto e falso por mudar —
então confiar à gente exausta o plano
de um mundo novo e muito mais humano.
Geir Campos
4 – Faça mais uma estrofe para o poema de Cecília, mantendo a coerência das ideias.
A ARTE DE SER FELIZ
Houve um tempo em que minha janela
se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz. Perto da janela havia um
pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre
as plantas. Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas
de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava
completamente feliz.
.........................................................
Cecília Meireles
6 – Leia os poemas que tratam da infância e faça outro sobre o mesmo assunto,em versos livres,como os de Drummond ou metrificados, como os de Secchin.
INFÂNCIA
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
Carlos Drummond de Andrade
"DE CHUMBO ERAM SOMENTE DEZ SOLDADOS"
De chumbo eram somente dez soldados,
plantados entre a Pérsia e o sono fundo,
e com certeza o espaço dessa mesa
era maior que o diâmetro do mundo.
Aconchego de montanhas matutinas
com degraus desenhados pelo vento;
mas na lisa planície da alegria
corre o rio feroz do esquecimento.
Meninos e manhãs, densas lembranças
que o tempo contamina até o osso,
fazendo da memória um balde cego
vazando no negrume de um poço.
Pouco a pouco vão sendo derrubados
as manhãs, os meninos e os soldados.
7 – Faça versos para o poema de Astrid Cabral, de forma que a continuação faça sentido.
ENSAIANDO PARTIDAS
...........................................................
Na praça São Sebastião galeras de bronze
destinavam-se a longínquos continentes mas
imóveis não singravam ondas de lusas pedras
deixavam-se estar molhadas tão só de chuvas
proas frustradas de horizontes e azuis.
Que estranha calmaria as conjurara, quilhas
vacinadas contra a vertigem dos ventos?
Ou estariam desde sempre fundeadas nas
invisíveis correntes d’água dos séculos?
Dobravam os sinos abafando os frenéticos
pianos a planger nos salões dos sobrados
mas o que sempre se ouvia, pouco importa
se baixo e rouco, era o gargarejar do rio
a vocação de foz e mar drenando fragmentos
de terra, arrastando de roldão os corações.
Astrid Cabral
8- Faça uma paródia do famoso poema de Bandeira.
PNEUMOTÓRAX
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida ineira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o
[pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Manuel Bandeira
9 – Serenata sintética,como o título já diz ,é um exemplo de poema curto,como vigorou nos anos 60. Faça um poema em que haja também bastante condensação da linguagem.
SERENATA SINTÉTICA
Rua
torta.
Lua
morta.
Tua
porta.
Cassiano Ricardo
10 – Vejamos outro texto de Cassiano Ricardo. Agora temos um de poema metalinguís-tico.Faça, então,outro em que haja questões de metalinguagem.
POÉTICA
1
Que é a Poesia?
Uma ilha
Cercada
De palavras
Por todos
Os lados.
2
Que é o Poeta?
Um homem
Que trabalha o poema
Com o suor do seu rosto.
Um homem
Que tem fome
Como qualquer outro
Homem.
Cassiano Ricardo
quinta-feira, 26 de maio de 2011
A LINGUAGEM REFERENCIAL
Poema Brasileiro
No Piauí de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade
No Piauí
de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade
No Piauí
de cada 100 crianças
que nascem
78 morrem
antes
de completar
8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
No Piauí de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade
No Piauí
de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade
No Piauí
de cada 100 crianças
que nascem
78 morrem
antes
de completar
8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anosde idade
Ferreira Gullar
O texto Poema Brasileiro,de Ferreira Gullar, é feito apenas dos versos “No Piauí de cada 100 crianças que nascem/ 78 morrem antes de completar 8 anos de idade”, que se repetem e sugerem uma repetição ad eternum. Os versos se distribuem de forma diferente,valorizando a utilização do espaço em branco da página, como era típico nos 50/60.
Mas o que nos interessa no momento é chamar a atenção para o fato de que este “pequeno” poema é,na verdade,uma afirmação (ou informação) que poderia estar em um livro didático de Geografia ou em um jornal.E, como sabemos, o discurso literário se diferencia dos discursos didático e jornalístico.
Teríamos então aqui uma contradição?
Sabemos também que literário é o uso que fazemos dos textos.Portanto, esta afirmação,em linguagem denotativa, pretende-se poética, por ocupar o espaço do livro e se relacionar com os demais textos. Sim,trata-se de um poema, à primeira vista, estranho, por ser curto, informativo, didático e referencial. Levando-se, no entanto, a época em que foi feito/publicado (início dos anos 60),o pano de fundo histórico justifica a sua criação e a sua denúncia. Não sabemos hoje quantas crianças morrem no Piauí antes de completar 8 anos de idade, embora saibamos quantas pessoas morrem no Pará, por defenderem causas ambientais. Chico Mendes, no Recreio dos Bandeirantes, é nome de parque, mas no Pará talvez devesse ser nome de cemitério.
É claro que o é dito neste texto prevalece sobre o como é dito, como prova a referencialidade das palavras.
P.S. Como exercício, poderíamos recortar frases dos jornais, semelhantes às escolhidas por Ferreira Gullar. Talvez tenhamos material para um livro inteiro, para espanto e tristeza.
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
Ferreira Gullar
O texto Poema Brasileiro,de Ferreira Gullar, é feito apenas dos versos “No Piauí de cada 100 crianças que nascem/ 78 morrem antes de completar 8 anos de idade”, que se repetem e sugerem uma repetição ad eternum. Os versos se distribuem de forma diferente,valorizando a utilização do espaço em branco da página, como era típico nos 50/60.
Mas o que nos interessa no momento é chamar a atenção para o fato de que este “pequeno” poema é,na verdade,uma afirmação (ou informação) que poderia estar em um livro didático de Geografia ou em um jornal.E, como sabemos, o discurso literário se diferencia dos discursos didático e jornalístico.
Teríamos então aqui uma contradição?
Sabemos também que literário é o uso que fazemos dos textos.Portanto, esta afirmação,em linguagem denotativa, pretende-se poética, por ocupar o espaço do livro e se relacionar com os demais textos. Sim,trata-se de um poema, à primeira vista, estranho, por ser curto, informativo, didático e referencial. Levando-se, no entanto, a época em que foi feito/publicado (início dos anos 60),o pano de fundo histórico justifica a sua criação e a sua denúncia. Não sabemos hoje quantas crianças morrem no Piauí antes de completar 8 anos de idade, embora saibamos quantas pessoas morrem no Pará, por defenderem causas ambientais. Chico Mendes, no Recreio dos Bandeirantes, é nome de parque, mas no Pará talvez devesse ser nome de cemitério.
É claro que o é dito neste texto prevalece sobre o como é dito, como prova a referencialidade das palavras.
P.S. Como exercício, poderíamos recortar frases dos jornais, semelhantes às escolhidas por Ferreira Gullar. Talvez tenhamos material para um livro inteiro, para espanto e tristeza.
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
Ferreira Gullar
segunda-feira, 4 de abril de 2011
POESIA E SOLIDARIEDADE
Tecendo a Manhã
1
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
João Cabral de Melo Neto
1
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
João Cabral de Melo Neto
sexta-feira, 1 de abril de 2011
FIGURAS DE LINGUAGEM
Linguagens
Notei que o vôo negro da hipálage
não tinha o mel dos lábios da metáfora,
e mais notara, se não fora a enálage,
e mais voara, se não fosse a anáfora.
Chorei dois oceanos de hipérbole,
duas velas cortaram a metonímia.
O pé da catacrese já marchava
no compasso toante dessa rima.
Verteu prantos a anímica floresta,
mas entramos dentro do pleonasmo,
‘stamos em pleno oceano da aférese...
Vai-se um expletivo, outro e outro mais...
Os poetas somos muito silépticos;
os poemas, elípticos demais.
Antonio Carlos Secchin
Notei que o vôo negro da hipálage
não tinha o mel dos lábios da metáfora,
e mais notara, se não fora a enálage,
e mais voara, se não fosse a anáfora.
Chorei dois oceanos de hipérbole,
duas velas cortaram a metonímia.
O pé da catacrese já marchava
no compasso toante dessa rima.
Verteu prantos a anímica floresta,
mas entramos dentro do pleonasmo,
‘stamos em pleno oceano da aférese...
Vai-se um expletivo, outro e outro mais...
Os poetas somos muito silépticos;
os poemas, elípticos demais.
Antonio Carlos Secchin
quarta-feira, 23 de março de 2011
POEMA DE FIM DE VERÃO
SONETILHO DE VERÃO
Traído pelas palavras.
O mundo não tem conserto.
Meu coração se agonia.
Minha alma se escalavra.
Meu corpo não liga não.
A ideia resiste ao verso,
o verso recusa a rima,
a rima afronta a razão
e a razão desatina.
Desejo manda lembranças.
O poema não deu certo.
A vida não deu em nada.
Não há deus. Não há esperança.
Amanhã deve dar praia.
Paulo Henriques Britto
Traído pelas palavras.
O mundo não tem conserto.
Meu coração se agonia.
Minha alma se escalavra.
Meu corpo não liga não.
A ideia resiste ao verso,
o verso recusa a rima,
a rima afronta a razão
e a razão desatina.
Desejo manda lembranças.
O poema não deu certo.
A vida não deu em nada.
Não há deus. Não há esperança.
Amanhã deve dar praia.
Paulo Henriques Britto
sexta-feira, 18 de março de 2011
OFICINA DE POESIA NO SIMPRO TERÇA-FEIRA DE MANHÃ
OFICINA DE POESIA NO SIMPRO
(RUA PEDRO LESSA 35, 3º ANDAR, CENTRO)
COM MARCUS VINICIUS QUIROGA
POETA COM 12 LIVROS PUBLICADOS, DOUTOR EM LITERATURA BRASILEIRA, CRÍTICO E ENSAÍSTA
INÍCIO: DIA 22 DE MARÇO
NOS DIAS 22 E 29 DE MARÇO; 5, 12, 19 E 26 DE ABRIL
SEMPRE ÀS TERÇAS-FEIRAS, DAS 9H30 ÀS 12H30
AS LINGUAGENS CONOTATIVA E DENOTATIVA, AS DIFERENÇAS ENTRE POESIA E PROSA; AS DIVERSIDADES SEMÂNTICA E SINTÁTICA
DOS POEMAS; CRIAÇÃO DE TEXTOS E COMENTÁRIOS; LEITURA E ANÁLISE DE POETAS CONTEMPORÂNEOS.
VALORES ESPECIAIS PARA ASSOCIADOS DO SINDICATO E DE OUTRAS ENTIDADES
MAIS INFORMAÇÕES: 3262-3440 E 3262-3439
ou no site www.simpro-rio.org.br
OBS. COMO NÃO HÁ PRÉ-REQUISITO, O ALUNO PODE ENTRAR MESMO DEPOIS DO INÍCIO DA OFICINA
(RUA PEDRO LESSA 35, 3º ANDAR, CENTRO)
COM MARCUS VINICIUS QUIROGA
POETA COM 12 LIVROS PUBLICADOS, DOUTOR EM LITERATURA BRASILEIRA, CRÍTICO E ENSAÍSTA
INÍCIO: DIA 22 DE MARÇO
NOS DIAS 22 E 29 DE MARÇO; 5, 12, 19 E 26 DE ABRIL
SEMPRE ÀS TERÇAS-FEIRAS, DAS 9H30 ÀS 12H30
AS LINGUAGENS CONOTATIVA E DENOTATIVA, AS DIFERENÇAS ENTRE POESIA E PROSA; AS DIVERSIDADES SEMÂNTICA E SINTÁTICA
DOS POEMAS; CRIAÇÃO DE TEXTOS E COMENTÁRIOS; LEITURA E ANÁLISE DE POETAS CONTEMPORÂNEOS.
VALORES ESPECIAIS PARA ASSOCIADOS DO SINDICATO E DE OUTRAS ENTIDADES
MAIS INFORMAÇÕES: 3262-3440 E 3262-3439
ou no site www.simpro-rio.org.br
OBS. COMO NÃO HÁ PRÉ-REQUISITO, O ALUNO PODE ENTRAR MESMO DEPOIS DO INÍCIO DA OFICINA
METÁFORAS DE SOL
UM GOSTO DE SOL
Milton Nascimento/Ronaldo Bastos
Alguém que vi de passagem
Numa cidade estrangeira
Lembrou os sonhos que eu tinha
E esqueci sobre a mesa
Como uma pêra se esquece
Dormindo numa fruteira
Como adormece o rio
Sonhando na carne da pêra
O sol na sombra se esquece
Dormindo numa cadeira
Alguém sorriu de passagem
Numa cidade estrangeira
Lembrou o riso que eu tinha
E esqueci entre os dentes
Como uma pêra se esquece
Sonhando numa fruteira
PROMESSAS DO SOL
Milton Nascimento e Fernando Brant
Você me quer forte
E eu não sou forte mais
Sou o fim da raça, o velho que se foi
Chamo pela lua de prata pra me salvar
Rezo pelos deuses da mata pra me matar
Você me quer belo
E eu não sou belo mais
Me levaram tudo que um homem podia ter
Me cortaram o corpo à faca sem terminar
Me deixaram vivo, sem sangue, apodrecer
Você me quer justo
E eu não sou justo mais
Promessas de sol já não queimam meu coração
Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?
Que tragédia é essa que cai sobre todos nós
Milton Nascimento/Ronaldo Bastos
Alguém que vi de passagem
Numa cidade estrangeira
Lembrou os sonhos que eu tinha
E esqueci sobre a mesa
Como uma pêra se esquece
Dormindo numa fruteira
Como adormece o rio
Sonhando na carne da pêra
O sol na sombra se esquece
Dormindo numa cadeira
Alguém sorriu de passagem
Numa cidade estrangeira
Lembrou o riso que eu tinha
E esqueci entre os dentes
Como uma pêra se esquece
Sonhando numa fruteira
PROMESSAS DO SOL
Milton Nascimento e Fernando Brant
Você me quer forte
E eu não sou forte mais
Sou o fim da raça, o velho que se foi
Chamo pela lua de prata pra me salvar
Rezo pelos deuses da mata pra me matar
Você me quer belo
E eu não sou belo mais
Me levaram tudo que um homem podia ter
Me cortaram o corpo à faca sem terminar
Me deixaram vivo, sem sangue, apodrecer
Você me quer justo
E eu não sou justo mais
Promessas de sol já não queimam meu coração
Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?
Que tragédia é essa que cai sobre todos nós
quinta-feira, 17 de março de 2011
GUARDANAPOS DE PAPEL
GUARDANAPOS DE PAPEL
de Leo Masliah
tradução de Carlos Sandroni
Na minha cidade tem poetas, poetas,
Que chegam sem tambores nem trombetas, trombetas,
E sempre aparecem quando menos aguardados, guardados, guardados,
Entre livros e sapatos, em baús empoeirados.
Saem de recônditos lugares no ares, nos ares,
Onde vivem com seus pares seus pares, seus pares,
Seus pares e convivem com fantasmas multicores, de cores, de cores,
Que te pintam as olheiras e te pedem que não chores
Suas ilusões são repartidas partidas, partidas,
Entre mortos e feridas, feridas, feridas,
Mas resistem com palavras, confundidas, fundidas, fundidas,
Ao seu triste passo lento pelas ruas e avenidas.
Não desejam glorias nem medalhas, medalhas, medalhas,
Se contentam com migalhas, migalhas
Migalhas de canções e brincadeiras com seus versos dispersos, dispersos,
Obcecados pela busca de tesouros submersos.
Fazem quatrocentos mil projetos, projetos, projetos,
Que jamais são alcançados cansados, cansados,
Nada disso importa enquanto eles escrevem, escrevem, escrevem,
O que sabem que não sabem e o que dizem que não devem.
Andam pelas ruas os poetas, poetas, poetas,
Como se fossem cometas, cometas, cometas,
Num estranho céu de estrelas idiotas e outras, e outras,
Cujo brilho sem barulho veste suas caldas tortas.
Na minha cidade tem canetas, canetas, canetas,
Esvaindo-se em milhares, milhares,
Milhares de palavras retorcidas e confusas, confusas, confusas,
Em delgados guardanapos, feito moscas inconclusas.
Andam pelas ruas escrevendo e vendo, e vendo,
Que eles vêm nos vão dizendo, dizendo,
E sendo eles poetas de verdade enquanto espiam e piram, e piram,
Não se cansam de falar do que eles juram que não viram.
Olham para o céu esses poetas, poetas, poetas,
Como se fossem lunetas, lunetas, lunáticas,
Lançadas ao espaço e o mundo inteiro, inteiro, inteiro,
Fossem vendo pra depois voltar pro Rio de Janeiro.
de Leo Masliah
tradução de Carlos Sandroni
Na minha cidade tem poetas, poetas,
Que chegam sem tambores nem trombetas, trombetas,
E sempre aparecem quando menos aguardados, guardados, guardados,
Entre livros e sapatos, em baús empoeirados.
Saem de recônditos lugares no ares, nos ares,
Onde vivem com seus pares seus pares, seus pares,
Seus pares e convivem com fantasmas multicores, de cores, de cores,
Que te pintam as olheiras e te pedem que não chores
Suas ilusões são repartidas partidas, partidas,
Entre mortos e feridas, feridas, feridas,
Mas resistem com palavras, confundidas, fundidas, fundidas,
Ao seu triste passo lento pelas ruas e avenidas.
Não desejam glorias nem medalhas, medalhas, medalhas,
Se contentam com migalhas, migalhas
Migalhas de canções e brincadeiras com seus versos dispersos, dispersos,
Obcecados pela busca de tesouros submersos.
Fazem quatrocentos mil projetos, projetos, projetos,
Que jamais são alcançados cansados, cansados,
Nada disso importa enquanto eles escrevem, escrevem, escrevem,
O que sabem que não sabem e o que dizem que não devem.
Andam pelas ruas os poetas, poetas, poetas,
Como se fossem cometas, cometas, cometas,
Num estranho céu de estrelas idiotas e outras, e outras,
Cujo brilho sem barulho veste suas caldas tortas.
Na minha cidade tem canetas, canetas, canetas,
Esvaindo-se em milhares, milhares,
Milhares de palavras retorcidas e confusas, confusas, confusas,
Em delgados guardanapos, feito moscas inconclusas.
Andam pelas ruas escrevendo e vendo, e vendo,
Que eles vêm nos vão dizendo, dizendo,
E sendo eles poetas de verdade enquanto espiam e piram, e piram,
Não se cansam de falar do que eles juram que não viram.
Olham para o céu esses poetas, poetas, poetas,
Como se fossem lunetas, lunetas, lunáticas,
Lançadas ao espaço e o mundo inteiro, inteiro, inteiro,
Fossem vendo pra depois voltar pro Rio de Janeiro.
segunda-feira, 14 de março de 2011
O ESCRITOR É ALGUÉM QUE TEM ALGO A DIZER!
Agora em janeiro, em uma seleção para um cargo de engenheiro solicitaram uma redação com tema livre aos candidatos e a maioria escreveu sobre as enchentes na região serrana, reproduzindo as matérias saídas nos jornais escritos e televisivos. Estes foram eliminados, pois a empresa queira pessoas que pensassem, não papagaios.
A primeira pergunta que um escritor deve se fazer é esta: Tenho algo a dizer? Se você quer ser escritor porque, por alguma secreta razão, acha o personagem simpático, e não tem o que dizer, é melhor escolher outro papel. Se diante da página em branco do computador ou do caderno, você se pergunta o que está fazendo ali e diz que não tem ideias, é melhor usar o computador ou o caderno para outra finalidade.
Se você tiver paciência consigo mesmo, verá certamente que tem algo a dizer, que tem um modo particular de olhar o mundo e compreendê-lo e que poderá escrever sobre isto. Você não está mais nas salas de aula, fazendo redação para receber uma nota. Agora foi você quem escolheu esta situação: a folha em branco a sua frente e o teclado.
Sabemos que a redação é um dos bloqueios clássicos do aluno, porque ele se vê diante de si mesmo e não há escapatória. Consciente ou inconscientemente, ele sabe que a linguagem trai e, portanto, revela algo sobre ele, como, por exemplo, as suas faltas, o seu vazio, o seu desinteresse por sua vida e pelo mundo.
A inércia linguística não é gratuita: quem não consegue fazer uma redação com tema livre é porque nada tem a dizer, ou seja, é um “silenciado”. O escritor, ao contrário, é alguém que tem a urgência de dizer algo e de uma forma diferente, de uma forma literária.
Uma oficina serve para isto, para o exercício de pensar e de dar forma ao pensamento. A visão de mundo vem antes da escrita, a reflexão sobre o que acontece ao redor ocorre antes da aprendizagem de técnicas da literatura. Um escritor, como o engenheiro do primeiro parágrafo, não pode repetir o discurso alheio, pois se distingue por seu pensar diferente. O estilo não é só uma questão de linguagem, mas também de olhar, de pensar e de escolher.
Marcus Vinicius Quiroga
domingo, 13 de março de 2011
PALAVRAS POÉTICAS
Houve época em se dizia haver palavras poéticas e não-poéticas. Estas palavras poéticas também eram ditas literárias, como se existissem só para serem usadas em textos de ficção e havia até quem acreditasse que hodierno era melhor do que moderno. É claro que há muito tempo não se usa hodierno e que esta palavra seria mal vista em textos literários nos tempos hodiernos, queremos dizer, modernos.
As palavras que caem em desuso, depois do Modernismo, passaram a não ser bem-vindas na literatura, a menos que haja razões de estilo ou de expressão que a justifiquem. A influência da linguagem oral cresceu muito e afastou do vocabulário escrito palavras que se tornaram “pedantes” e “esnobes”. Isto é um fato ocorrido e não uma regra para ser seguida. Cabe ao escritor sempre a sensibilidade para escolher suas palavras e a responsabilidade por tê-lo feito.
Desde o início do século passado, toda palavra pode ser poética, dependendo da sua utilização. Augusto dos Anjos, por exemplo, inovou justamente por fazer uso de um vocabulário que não frequentava a poesia. Seus termos científicos e difíceis causaram um estranhamento, que foi uma das marcas de seu estilo, pois destoavam bastante das expectativas simbolistas e parnasianas.
Da nossa parte admitimos uma idiossincrasia, a de preferir certas palavras em detrimento de outras por razões totalmente subjetivas e não explicáveis. Palavras e mesmo letras exercem sobre nós uma atração por motivos gráficos e fonéticos que não saberíamos dizer por quê. A preferência pela letra itálica ao tipo normal seria um exemplo. Ou seja, é uma questão de gosto, de particular sensibilidade.
É dito que palavras com muitas sílabas se prestam menos à poesia e à letra de música. De certa forma, também pensamos assim e teríamos dificuldade em usar a palavra “idiossincrasia”, que aparece no parágrafo anterior, em um poema, o que não significa que outro não possa ou não deva fazê-lo.
Há também palavras que, por de serem de áreas semânticas muito específicas, nos parece um pouco estranhas em um texto poético. Por exemplo, duas palavras da moda, lidas diariamente em jornais, como “sustentabilidade” e “visibilidade”, em tese, não nos agradariam em poemas.
Tentemos ser mais claros: defendemos o princípio de que não existem palavras poéticas como uma regra imutável, mas na prática reconhecemos que as “subjetividades” dos poetas elegem algumas palavras e excluem outras. Ou, de outro modo, a seleção vocabular é fundamental no texto literário, e mais ainda na poesia, não devendo, portanto, ser relegada a um segundo plano, como se as ideias bastassem, e não as palavras que as incorporam.
Recomendamos que o autor leia em voz alta seu poema e sinta se as palavras soam bem ou não. Sem dúvida, é a subjetividade do seu “ouvido” que vai determinar este soar bem, mas a leitura de bons poetas e o exercício de reler os próprios poemas de maneira crítica vão ajudar bastante.
Marcus Vinicius Quiroga
sábado, 12 de março de 2011
O NOVO LIVRO DE CARLOS NEJAR
O poeta Carlos Nejar lançará no dia 24, às 19h, na Livraria Travesa de Ipanema, a edição revista e ampliada de História da Literatura Brasileira, leitura obrigatória e prazerosa de todo escritor, iniciante ou experiente.
Recomendamos a entrevista publicada na edição de hoje, 12 de março, no suplemento literário Prosa & Verso, feita por Miguel Conde, para nos familiarizarmos com as ideias do escritor e despertamos a curiosidade por esta sua história de nossa literatura.
Se a melhor oficina é a leitura dos grandes autores, entrar em contato com eles por intermédio de um ensaísta da envergadura de Nejar, é mais do que vantajoso.
Recomendamos a entrevista publicada na edição de hoje, 12 de março, no suplemento literário Prosa & Verso, feita por Miguel Conde, para nos familiarizarmos com as ideias do escritor e despertamos a curiosidade por esta sua história de nossa literatura.
Se a melhor oficina é a leitura dos grandes autores, entrar em contato com eles por intermédio de um ensaísta da envergadura de Nejar, é mais do que vantajoso.
sexta-feira, 11 de março de 2011
A IRONIA E O CONTEXTO
Vence na Vida quem diz Sim
Chico Buarque / Ruy Guerra
Vence na vida quem diz sim
Vence na vida quem diz sim
Se te dói o corpo, diz que sim
Torcem mais um pouco, diz que sim
Se te dão um soco, diz que sim
Se te deixam louco, diz que sim
Se te tratam no chicote, babam no cangote
Baixa o rosto e aprende o mote, olha bem pra mim
Vence na vida quem diz sim
Vence na vida quem diz sim
Se te mandam flores, diz que sim
Se te dizem horrores, diz que sim
Mandam pra cozinha, diz que sim
Chamam pra caminha, diz que sim
Se te chamam vagabunda, montam na cacunda
Se te largam moribunda olha bem pra mim
Vence na vida quem diz sim
Vence na vida quem diz sim
Se te erguem a taça, diz que sim
Se te xingam a raça, diz que sim
Se te chupam a alma, diz que sim
Se te pedem calma, diz que sim
Se já estás virando um caco, vives num buraco
E se é do balacobaco olha bem pra mim
Vence na vida quem diz sim
Esta letra gravada nos disos 70 tinha um sentido particular na época, levando-se em conta o pano de fundo histórico ou pensando-se em seu conteúdo de forma atemporal. O título proverbial é irônico e os versos mostram a inversão típica da ironia, ou seja, diz o contrário do que quer dizer. “Dizer sim” no caso signfica a acomodação, a sujeição a tudo, a negação de si mesmo, em troca apenas talvez da sobreviência.
Mas podemos estender o sentido desta máxima e interpretar o que vem a ser “vencer”. Vencer pode ser mais do que sobreviver, pode em outros caso ser mesmo ter êxito, fazer sucesso, subir na vida e significados afins.
O contexto mudou. Não estamos mais nos anos 70, nem sob o regime de ditadura. Mas os valores sociais não mudaram muito. Alguns até pioraram. O romantismo hippie acabou há bastante tempo e foi só um intervalo na cena burguesa das sociedades capitalistas. Ou seja, vencer continua sendo o verbo preferido destas sociedades, embora talvez não saibam exatamente o que isto queira dizer. Vencer pode significar invadir países e destruir a sua população, ou exportar mais do que importar, ou ter mais votos do que os outros candidatos, ou conseguir uma comissão, um cargo no governo, um apadrinhamento, um reconhecimento ‘oficial’, uma exposição favorável na mídia etc
De um modo geral, o verbo não lembra valores espirituais ou inte-lectuais, pouco encontrados nas diferentes classes, por razões diversas. As indústrias ditam as regras, impõem a publicidade, fazem a divugldação se seus produtos, sejam eles pessoas ou coisas.
Quem diz sim tem mais chance de ocupar um lugar no pódio. Se a letra já era irônica, a história, com suas inevitáveis mudanças, tornou-a mais irônica ainda. O sim de hoje já não é necessariamente o sim de ontem.
A ironia, portanto, não se limita a palavras, mas tem uma relação direta com o seu momento e o seu espaço. Muda-se o contexto, muda-se a ironia.
E esta letra, que um dia nos trouxe um leve sorriso de deboche, hoje talvez nos dê certa tristreza.
Marcus Vinicius Quiroga
Chico Buarque / Ruy Guerra
Vence na vida quem diz sim
Vence na vida quem diz sim
Se te dói o corpo, diz que sim
Torcem mais um pouco, diz que sim
Se te dão um soco, diz que sim
Se te deixam louco, diz que sim
Se te tratam no chicote, babam no cangote
Baixa o rosto e aprende o mote, olha bem pra mim
Vence na vida quem diz sim
Vence na vida quem diz sim
Se te mandam flores, diz que sim
Se te dizem horrores, diz que sim
Mandam pra cozinha, diz que sim
Chamam pra caminha, diz que sim
Se te chamam vagabunda, montam na cacunda
Se te largam moribunda olha bem pra mim
Vence na vida quem diz sim
Vence na vida quem diz sim
Se te erguem a taça, diz que sim
Se te xingam a raça, diz que sim
Se te chupam a alma, diz que sim
Se te pedem calma, diz que sim
Se já estás virando um caco, vives num buraco
E se é do balacobaco olha bem pra mim
Vence na vida quem diz sim
Esta letra gravada nos disos 70 tinha um sentido particular na época, levando-se em conta o pano de fundo histórico ou pensando-se em seu conteúdo de forma atemporal. O título proverbial é irônico e os versos mostram a inversão típica da ironia, ou seja, diz o contrário do que quer dizer. “Dizer sim” no caso signfica a acomodação, a sujeição a tudo, a negação de si mesmo, em troca apenas talvez da sobreviência.
Mas podemos estender o sentido desta máxima e interpretar o que vem a ser “vencer”. Vencer pode ser mais do que sobreviver, pode em outros caso ser mesmo ter êxito, fazer sucesso, subir na vida e significados afins.
O contexto mudou. Não estamos mais nos anos 70, nem sob o regime de ditadura. Mas os valores sociais não mudaram muito. Alguns até pioraram. O romantismo hippie acabou há bastante tempo e foi só um intervalo na cena burguesa das sociedades capitalistas. Ou seja, vencer continua sendo o verbo preferido destas sociedades, embora talvez não saibam exatamente o que isto queira dizer. Vencer pode significar invadir países e destruir a sua população, ou exportar mais do que importar, ou ter mais votos do que os outros candidatos, ou conseguir uma comissão, um cargo no governo, um apadrinhamento, um reconhecimento ‘oficial’, uma exposição favorável na mídia etc
De um modo geral, o verbo não lembra valores espirituais ou inte-lectuais, pouco encontrados nas diferentes classes, por razões diversas. As indústrias ditam as regras, impõem a publicidade, fazem a divugldação se seus produtos, sejam eles pessoas ou coisas.
Quem diz sim tem mais chance de ocupar um lugar no pódio. Se a letra já era irônica, a história, com suas inevitáveis mudanças, tornou-a mais irônica ainda. O sim de hoje já não é necessariamente o sim de ontem.
A ironia, portanto, não se limita a palavras, mas tem uma relação direta com o seu momento e o seu espaço. Muda-se o contexto, muda-se a ironia.
E esta letra, que um dia nos trouxe um leve sorriso de deboche, hoje talvez nos dê certa tristreza.
Marcus Vinicius Quiroga
quinta-feira, 10 de março de 2011
OFICINA DE POESIA NA ESTAÇÃO DAS LETRAS
Oficina de Poesia na Estação das Letras
Oficina de Poesia (introdução)
Criação de textos literários com comentários críticos em paralelo com leitura e análise de autores nacionais contemporâneos. Estudo das diferenças entre o texto literário e o não-literário; as linguagens conotativa e denotativa; o verso livre e o metrificado; o verso branco e a rima; o estudo das áreas de significação e da diversidade temática e a estrutura de um texto poético.
De 11/03 a 01/07 6as. feiras das 16h30 às 18h20
Prof.: Marcus Vinicius Quiroga - Poeta, contista, crítico, Doutor em Literatura Brasileira, membro do PEN Clube do Brasil e da Academia Carioca de Letras. Autor de 11 livros de poesia, como O xadrez e as palavras, Campo de trigo maduro e Manual de instruções para cegos. Recebeu prêmios da CBL (Jabuti), da Fundação Biblioteca Nacional e da UBE (Rio e São Paulo), entre outros.
Valores: 4 x R$230,00
Estação das Letras - Rua Marquês de Abrantes, 177 - Loja 107 e 108
Flamengo - Rio de Janeiro - RJ :: CEP: 22230-060
Telefone: (21) 3237-3947 (21) 3237-3947
Oficina de Poesia (introdução)
Criação de textos literários com comentários críticos em paralelo com leitura e análise de autores nacionais contemporâneos. Estudo das diferenças entre o texto literário e o não-literário; as linguagens conotativa e denotativa; o verso livre e o metrificado; o verso branco e a rima; o estudo das áreas de significação e da diversidade temática e a estrutura de um texto poético.
De 11/03 a 01/07 6as. feiras das 16h30 às 18h20
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